Ainda que pioneiras em "disseminar a palavra" durante séculos, as igrejas católicas, cristãs, protestantes, mórmons e de outras tradições abraâmicas estão adotando estratégias baseadas no marketing digital e a publicidade em massa para integrar-se a era digital, com resultados diversos, sumamente absurdos e em ocasiões francamente cômicos. Tanto que uma pesquisa recente comprovou que sites religiosos tem mais malwares e pragas digitais que sites pornôs.
Enquanto aqui no Brasil os pastores investem pesado na (por enquanto) maior mídia de massa: a televisão; em outros países já existem sites para compartilhar vídeos cristãos como o GodTube, sites de relacionamento evangélico e até irreverentes sermões de padres com estilo hipster garanhão como o padre galã Fábio de Melo. A religião organizada vê na marca e na segmentação de mercados uma oportunidade para ter acesso a públicos cada vez menos religiosos, como os jovens.
Contudo, as religiões do livro têm maiores inimigos que o genial astrofísico e meme Neil deGrasse ou o recentemente falecido ateísta superestrela Christopher Hitchens: sua majestade, a Internet.
Considerando que o ateísmo -ou a distância explícita com as religiões- já é a terceira "crença" a nível demográfico no mundo, não surpreende que a Internet disponha de mais pessoas com aspectos positivos e negativos de todas as crenças, formando públicos que estão se educando em questionar a natureza da informação que recebem a cada momento. É em parte por isto que um estudo do Pew Research Center mostrou há pouco que os ateus e agnósticos sabem mais das religiões cristãs e judias do que os próprios praticantes.
Isto pode ser explicado também porque as religiões historicamente basearam seu poder em limitar o acesso à informação, erigindo interpretações oficiais e textos sagrados em dogmas inquestionáveis e satanizando as perspectivas que, como a científica ou a dos evangelhos apócrifos, propõem visões de mundo contrapostas às da fé.
O acesso a Internet, ao democratizar o acesso à informação para uma quantidade cada vez maior de pessoas, torna obsoletas as explicações tradicionais em termos de entendimento do universo físico e coloca em xeque as limitantes oficiais para que crentes de diferentes religiões se relacionem sentimentalmente com membros de outra religião.
Mas, o que fez a Internet (uma tecnologia nova) para, em termos mercantis, conseguir participação de mercado em religiões milenares? Aqui alguns exemplos:
- Conteúdo científico accessível e genial.
Desde os dias em que Carl Sagan explicava os assombros do universo em sua mítica série Cosmos, a ciência se popularizava através de programas de TV a cabo e documentários que explicavam de maneira accessível e divertida curiosos aspectos científicos. Claro: a própria sensação de entender algo nos faz participar com plena consciência dos mistérios revelados do universo, com o que a ciência fornece experiências que antes eram de domínio único da religião; pois a ciência, diferente da religião, fortalece-se com as dúvidas e os pontos de vista revolucionários e contraditórios.
Projetos inclusivos em sites como o incrível TED ou o Symphony of Science conseguem contribuir uma sensação de propósito e transcendência à vida das pessoas através do conhecimento e da descoberta, mostrando coisas incríveis e comprováveis, em lugar de sequestrar sua consciência com a promessa do castigo eterno. - O lado obscuro da fé.
Na era da informação os segredos que antes podiam ser mantidos em resguardo de poucos agora se encontram a disposição de muitos. Casos tão lamentáveis como a pedofilia, o encobrimento de criminosos de guerra ou os confrontos violentos entre praticantes de crenças opostas fazem com que a opinião pública questione não apenas a natureza da fé, senão às pessoas por trás das organizações que administram a relação de milhões de crentes com as divindades.
Não faltam os críticos que veem na renúncia de Bento XVI ao trono de São Pedro um claro sinal de que os escândalos de pedofilia, escravidão sexual, poligamia e incesto que rondam a Santa Sé há muito tempo poderiam estar minando sua estrutura interna e debilitando seu poder político. Além disto, a informação sobre os abusos dos sacerdotes faz com que os crentes se vejam a si mesmos envolvidos em uma contradição entre a cumplicidade passiva e a indignação que poria em crise todo seu sistema de crenças. - Grupos de apoio para pessoas que deixam a religião.
Como se tratasse de uma síndrome de abstinência, a mudança de uma visão de mundo para outra é um processo de aprendizagem um pouco duro, em que um sistema de crenças é substituído paulatinamente por outras. A Internet, entendida como uma comunidade de pessoas encontrando outras que são afins, está preparada para acolher gentilmente os hereges, os que sofreram o trauma da excomunhão, e está disposta a ajudá-los no lento estado de recuperação.
Não importa se são cristãos, mórmons, testemunhas de Jeová ou muçulmanos, a web oferece todo tipo de grupos de apoio para que a vida sem religião seja uma verdadeira reencarnação a experiências que muita gente ligada a suas crenças ainda teme experimentar. - Interespiritualidade e comunidades de crentes de diferentes religiões.
Diversas religiões basearam-se em limitar a convivência humana somente entre membros de suas próprias crenças: casais, negócios e educação reduzem o espectro do humano a gente que professa a mesma religião. Não é à toa que um vive dizendo que o deus do outro não presta quando em essência deveria ser o mesmo. Mas a vantagem da interespiritualidade é que permite que os membros de diferentes igrejas dialoguem e enfrentem suas particulares referências religiosas em um ambiente de diálogo e debate. Além de fortalecer as respectivas teologias, este tipo de comunidades promove também uma versão da ética que não necessariamente está conectada com a religião organizada: fazer o bem é um bem em si próprio, sem ter que apelar a mecanismos pavlovianos como a dinâmica premio, castigo, céu, inferno, etc.
O Dalai Lama, um líder espetacular por excelência, vem sendo o impulsor do diálogo interespiritual há décadas. Seu parecer a respeito gerou alvoroço quando foi postado em sua página do Facebook, e, entretanto, pode ser um discurso iluminador tanto para crentes como para ateus:
- "Todas as grandes religiões do mundo, com sua ênfase no amor, na compaixão, na paciência, na tolerância e no perdão, podem e promovem valores profundos. Mas a realidade do mundo de hoje é que basear a ética na religião deixou de ser adequado. É por isto que me convenço mais e mais de que chegou o tempo de encontrar uma maneira de pensar a espiritualidade e a ética para além da religião em seu conjunto".
Como conclusão, podemos nos combinar com a história de Jim Gillian, um antigo fundamentalista religioso que sobreviveu ao câncer graças ao apoio das redes sociais para encontrar doadores de medula óssea e um duplo transplante de pulmão, que lhe salvou a vida graças à ciência. Em sua palestra The Internet is My Religion, Gillian resume o que a Internet é para milhões de pessoas das crenças religiosas mais contrapostas:
- "Devo cada momento de minha vida a inúmeras pessoas que nunca poderei conhecer. Amanhã, essa interconectividade estará representada em meu próprio corpo físico. Três DNAs diferentes. Individualmente são inúteis, mas juntos podem criar um ser humano funcional. Que incrível dívida para contrair. Nem se quisesse saberia por onde começar. E foi então quando realmente encontrei o tal deus. Deus é o que acontece quando a humanidade se une. A humanidade conectada é Deus".
Organizações religiosas do mundo, tremam em frente a Interwebz!
Fonte: Salon.
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