Singularidades extraordinárias de animais ordinários: a hiena

Quem é que já não ouviu a frase "Rir como uma hiena" para designar alguém que ri demais? Na verdade o animal não ri, senão que emite um som que faz lembrar uma gargalhada humana. Tanto que os mais antigos pensavam que a sua gargalhada durante a noite era a risada de um homem colocando armadilhas fatais para os viajantes. Acreditavam que se a sombra de uma hiena caísse sobre a de um cão, este ficaria mudo e paralisado. Diziam que a hiena era a encarnação de espíritos de feiticeiros.

Folclore e crendices à parte, a hiena que habita o oeste da Ásia e principalmente as savanas da África, é uma excelente caçadora, atacando geralmente em grupo, com mais eficiência que alguns felinos. Mas ela é mais conhecida por ser necrófaga, ou seja, por se alimentar das carcaças e dos ossos de animais, restos de outros predadores.

Por isso mesmo ela desempenha um papel importante na cadeia alimentar, pois ao se alimentar dos restos de outros predadores, evita que esse material contamine as águas e que cause o aparecimento de doenças em outros animais ou em habitantes da região.

Ao contrário de todos os demais predadores, a hiena não tem o hábito de cuidar de sua pelagem, o que a deixa com o mau cheiro do sangue, das entranhas, ou mesmo da carniça de suas presas.

Sua gestação dura entre 98 e 110 dias e geralmente nascem dois filhotes por cria, já com os olhos abertos e com a dentição completa. Desde o nascimento são muito agressivos, sendo comum que os filhotes matem uns aos outros.

Mas a singularidade mais incomum da espécie pertence a hiena-malhada (Crocuta crocuta), a maior representante da família das hienas. Ela tem um dos genitais mais extraordinários de todo o reino animal (pelo menos entre os mamíferos). As fêmeas desta espécie têm genitais externos mais parecidos aos de um macho, fazendo com que um não especialista seja incapaz de diferenciar os machos das fêmeas.

O clitóris mede entre 15 e 20 cm, e tem aspecto de pênis -isso mesmo, as fêmeas tem um peruzão maior que os dos machos da matilha-. Os lábios da vulva são colados e recheados de uma substância gordurosa, dando o aspecto de uma bolsa. O clitóris tem um canal geniturinário completo, e por ele copulam e parem os filhotes (60% deles morrem asfixiados durante os primeiros partos e a cópula é bastante complicada). Ademais possui a capacidade de ficar ereto durante mostras de dominação. Durante muito tempo ninguém conseguiu explicar esta peculiar anatomia convenientemente, é uma adaptação para que?

Hoje sabe-se que não é uma adaptação. Durante muitos anos tentou-se explicar assim, sendo um dos exemplos tipicamente usados para ilustrar sobre os erros do paradigma panglossiano, que diz que todo traço é uma adaptação (o nome vem de Pangloss, um personagem de uma novela de Voltaire, que sustenta que não há causa sem efeito e que tudo o que vemos, desde o nariz de nosso rosto até as catástrofes naturais, têm uma razão de ser).

Os adaptacionistas sustentaram que a peculiar natureza dos genitais da hiena-malhada vem do comportamento social desta espécie, em que cada vez que dois indivíduos se encontram, cheiram os seus genitais, como muitos mamíferos. Assumiram que genitais parecidos aos masculinos dava mais "prestígio" às fêmeas, motivo pelo qual estas teriam evoluído para imitar os genitais masculinos, com um fim social.

Atualmente a explicação é outra. A anatomia da hiena não é uma adaptação a nada, senão uma mutação se conseguiu estender a todas as hienas-malhadas, por casualidade ou por estar relacionada a outras características vantajosas. Daí que todas as hienas fêmeas sejam pseudo-hermafroditas femininas. A mutação consiste em um incorreto funcionamento do gene da aromatase, uma enzima que degrada a testosterona que a placenta produz de forma natural em todos os mamíferos durante a gestação. Por ter uma deficiência congênita de aromatase, todos os fetos femininos da hiena-malhada são afetados pela testosterona a níveis anormalmente altos, e desenvolvem este pseudo-hermafroditismo.

Estes níveis altos de testosterona acabam refletindo depois no comportamento das hienas adultas, que têm um caráter mais agressivo e formam clãs dominados por fêmeas, sendo estas as líderes de manada e as primeiras em comer, diferentemente do que ocorre nas outras espécies de hienas e outros mamíferos sociais. Deste modo os indivíduos expressam características que não codificam seus genes, senão os genes de suas mães.

Em algumas regiões da África, as hienas são caçadas sem misericórdia e sua expectativa de vida em seu habitat natural é de até 20 anos.