Em busca do tomate perdido

Tenho um casal de amigos que no passado comiam qualquer porcaria que viam pela frente quanto batia a larica. Hoje em dia são bichos-grilos empresários que produzem orgânicos e, como não podia deixar de ser, que são militantes antitransgênicos. Não adianta discutir, a agricultura orgânica é como uma religião para eles e não admitem críticas de forma alguma.

Sabendo disso, só para provocá-los, quando vou ao seu sítio, colho um tomate na horta e depois de uma mordida clamo aos céus uma súplica com voz teatralmente entrecortada e profundidade dramática:

- "Por que os tomates já não tem gosto de tomate como antigamente?".

Em geral eles respondem amavelmente com impropérios, mas a resposta não é simples. Os sabores fazem parte do patrimônio da cada geração, assim como a música ou a moda. Os egípcios bebiam cerveja e os romanos construíam adufas onde obtinham azeite de oliva, mas hoje em dia os sabores seriam irreconhecíveis. A cerveja egípcia era enjoativa já que a adição de lúpulo que lhe confere o sabor amargo não se popularizou até a idade média. O azeite de oliva dos romanos tinha um amargor insuportável; em 2000 anos foram selecionadas variedades com olivas cada vez mais suaves e desprovidas de alcaloides tóxicos.

Por diferentes fatores todos tendemos a mitificar os sabores da vovó. Por um lado é uma questão claramente subjetiva, já que quando crianças todos gostamos de comer na casa dos avôs e em nossas lembranças as sensações agradáveis costumam ser potencializadas. É só ver um filme que recorde algo do qual gostávamos muito na infância para ver que as lembranças às vezes são exageradas.

Ademais, a infância é o período que temos mais papilas gustativas, que com a idade vão sumindo da mesma forma como perdemos visão e a audição com o passar do tempo.

O sabor da carne cozida no fogão a lenha feita por minha avó é insuperável e sei que nunca vou voltar a provar algo tão gostoso por que faz parte do patrimônio da minha geração e de minha infância, como a tampinha de guaraná com rolha, a ficha telefônica ou as canetinhas coloridas hidrocor. Da mesma maneira minha avó deixou-nos antes da globalização alimentícia, de modo que nunca comeu um Kebap, um Shawarma ou sequer um Yakisoba... talvez tivesse gostado.

Mas voltando ao tomate... é curioso que seu sabor perdido seja o símbolo maior dos defensores da alimentação "natural". O consumo do tomate não se popularizou até o início do século XX. Teve que fazer frente a numerosos preconceitos por parte da população, que via o fruto com receio por se parecer com a tóxica beladona. Não obstante o tomate triunfou e hoje faz parte da maioria dos pratos típicos da cozinha de quase todo o mundo. O sabor do tomate é a soma de mais de 400 moléculas diferentes, e tanto a presença ou ausência destas moléculas como sua proporção, determina o sabor final.

Um dos fatores que mais influem é o momento da colheita. Se for apanhado no ponto de maturidade terá desenvolvido todos os aromas, mas logo ficará estragado, pelo que sua comercialização será muito limitada. Daí a prática de serem colhidos verdes e amadurecidos em câmaras. Isso permite com que gente que vive longe das zonas de produção, coma tomates, mas o resultado termina sendo muito insípido. Isto parece impossibilitar de comermos tomates em boas condições, salvo que a gente tenha uma horta, ou viva próximo de alguém que tenha.

Isto então implica que os tomates antigos eram melhores? Não necessariamente. Existe uma variedade de tomate conhecido como tomate cereja (Solanum lycopersicum) que se popularizou muito nos últimos anos por ser grande, lobulado, e bastante saboroso. O curioso é que se ele for regado com água salobra, para defender-se cria açucares que deixam-no com um sabor sublime, mas a produção cai consideravelmente fazendo com que seu preço suba. Ao contrário, se for regado normalmente, tem o mesmo sabor insípido dos outros.

Em outras variedades os agricultores foram mais cuidadosos em manter o prestígio e a qualidade de sua marca. É o caso do Kumato, um tomate desenvolvido na Espanha, ainda não muito conhecido no Brasil. Dizem que o sabor destes tomates pequenos e esféricos de cor roxa escura, quase negro, tem um sabor e aroma únicos, já que se o agricultor não se comprometer a cultivá-los segundo alguns pré-requisitos, não obtém as sementes.

Nenhuma destas variedades de tomate, extraordinárias ambas as duas, podia ser encontrada quando minha avó ia ao mercado -na verdade, armazém-, portanto o sabor do tomate não se perdeu. Quando muito, mudou.