Crendice da medicina chinesa deixa a perca-do-Nilo sob ameaça

Em 2020, Uganda assinou um acordo comercial com a China para exportação direta de produtos pesqueiros. O acordo referia-se especificamente às bexigas natatórias, conhecidas como "bocarra de peixe", da perca-do-Nilo, que podem custar de 2 a 5 mil reais o kg, e são consideradas afrodisíacas por muitos chineses. O comércio de bexigas provenientes do Quênia, da Tanzânia e de Uganda é estimado em 420 milhões de reais por ano. O problema é que o aumento da procura de bexigas levou à sua extração ilegal de populações reprodutoras e juvenis, esgotando a população de percas-do-Nilo no Lago Vitória.

As bexigas natatórias não são apenas consideradas uma iguaria na culinária chinesa, senão que são usadas na estúpida medicina tradicional chinesa como afrodisíaco, para aumentar a imunidade e ajudar na recuperação. Os órgãos dos peixes também são utilizados na fabricação de fios cirúrgicos.

Muitas vezes a bocarra seca é vista como um símbolo de riqueza e prosperidade, e é dada como presente em eventos importantes e armazenada como investimento especulativo. É um dos "quatro tesouros" da culinária cantonesa, junto com o abalone, o pepino do mar e a barbatana de tubarão.

No entanto, a principal razão pela qual a bexiga é tão desejada é o seu suposto valor médico. Devido aos seus altos níveis de colágeno e fibras, acredita-se que promove uma pele saudável, estimula o sistema imunológico e ajuda na digestão. A vesícula gasosa de peixe também é frequentemente recomendada na China para a recuperação pós-parto e para reduzir a dor pós-operatória, mas essas propriedades supostamente curativas nunca foram comprovadas cientificamente.

Entretanto, devido à sobrepesca na Ásia Oriental, a China importa agora a maior parte das suas bexigas de outros países, como Uganda, onde os pescadores competem pela perca-do-Nilo no Lago Vitória e enviam para a China por preços extremamente elevados.

A China anteriormente obtinha bexigas natatórias do peixe conhecido como totoaba (Totoaba macdonaldi) na costa do México, mas essa espécie está agora ameaçada de extinção e o seu comércio é altamente regulamentado e protegido.

A totoaba ficou conhecida como cocaína do mar dada a quantidade de mafiosos, conhecidos como Cartel do Mar, que tentam importá-la para a China. Hoje a Polícia Marítima Mexicana afunda barcos sem aviso prévio, apreende ou expulsa navios chineses que adentram o Mar de Cortez, no Golfo da Califórnia. Como resultado, a atenção do mercado mudou para a perca-do-Nilo, que é cada vez mais procurada.

Mais de 290 toneladas de bexigas natatórias foram exportadas do Quênia para a Ásia em 2019. Uganda, que produz pelo menos 520 toneladas de bexiga natatória anualmente, exportou 51% das suas capturas para Hong Kong entre 2012 e 2020. Só em 2019, Uganda vendeu bexigas natatórias da perca no valor de 260 milhões de reais.

Só para que se tenha uma ideia, nos mercados locais de Uganda, 1 kg de perca-do-Nilo inteira é vendido a 25 reais, enquanto 1 kg de bexiga natatória é vendida a intermediários locais a mil reais. Na China, a mesma quantidade chega a custar 5 mil reais. É ainda mais cara em Hong Kong, onde o preço de venda pode chegar a 38 mil.

Um estudo de tráfego de 2020 sobre o comércio de vesícula gasosa descobriu que locais e estrangeiros da China e da Índia estavam envolvidos na venda de bexigas natatórias de perca. Depois de vendidas a intermediários, as bexigas natatórias são fornecidas a fábricas de processamento pertencentes a comerciantes chineses.

Pescadores em busca dos órgãos foram acusados de capturar peixes juvenis com peso igual ou inferior a 1 kg, o que é ilegal. A captura de peixes imaturos ameaça a sustentabilidade das espécies de peixes do Lago Vitória. A procura crescente também levou à utilização de métodos de pesca ilegais.

A Associação de Comerciantes de Pescadores de Uganda relatou que a demanda por bexigas natatórias de perca levou à evisceração e extração não regulamentada e ilícita do órgão. Depois que as bexigas são removidas, milhares de quilos de perca-do-Nilo são despejados ilegalmente no Lago Vitória. O desperdício excessivo de peixes causa esgotamento de oxigênio na água, o que estimula o florescimento de algas e põe em perigo os peixes vivos.

Várias leis de pesca no Quênia, Uganda e Tanzânia visam atividades criminosas na indústria pesqueira da África Oriental. Mas estes regulamentos nacionais carecem de uniformidade e coerência, o que dificulta a aplicação das Diretrizes da Comunidade da África Oriental sobre extração, processamento e comércio de bexigas.

A aplicação destas diretrizes é vital para controlar a extração ilegal de bexigas natatórias da perca-do-Nilo e para a sustentabilidade da espécie e do comércio a nível local e global. Isto inclui a redução da pesca de percas imaturas, garantindo que as bexigas natatórias só sejam extraídas de percas do Nilo com pelo menos 52 centímetros de comprimento.

A vesícula gasosa, também conhecida como bexiga natatória, é um órgão que auxilia os peixes ósseos a manterem-se a determinada profundidade através do controle da sua densidade relativamente à da água. É um saco de paredes flexíveis, e pode expandir-se ou contrair de acordo com a pressão; tem pouquíssimos vasos sanguíneos, mas as paredes são forradas com cristais de guanina, que a tornam impermeável aos gases.

Nem todos os peixes possuem este órgão: os tubarões controlam a sua posição na água através da quantidade de óleo presente em seus fígados bastante desenvolvidos; outros peixes têm reservas de tecido adiposo sob a pele para essa finalidade.

A presença de vesícula gasosa traz uma desvantagem para o seu portador: ela impede a subida rápida do animal na coluna de água, sob o risco do órgão estourar. Nos peixes pulmonados, como é o caso da piramboia, a bexiga funciona como pulmão, podendo ser bilobada.