O enigma da solidariedade humana

A solidariedade do ser humano é nosso principal traço diferenciador do resto das espécies animais e também um de nossos maiores enigmas. Quando o ser humano começou a se preocupar com os demais, a ser solidário, a sentir compaixão ou carinho? Quando cruzamos essa linha que nos separou das bestas? Quando o ser humano começou a ser humano?

Elucidar esta qüestão, nada menos que averiguar a origem dos sentimentos humanos, é uma tarefa quase impossível. Ainda que por sorte, alguns achados arqueológicos proporcionam aos pesquisadores pequenos indícios e pistas que permitem indagar em nossa mais profunda antiguidade.

Um dos indícios mais antigos de solidariedade humana data de 1,8 milhões de anos. Trata-se de uma mandíbula sem dentes encontrada em Dmanisi(Georgia). Encontrar uma mandíbula sem dentes não é raro, mas o excepcional desta é que o oco das gengivas está fechado, o que quer dizer que o indivíduo em qüestão viveu vários anos sem ter dentes.

Aqueles tempos eram muito duros para a espécie humana e dificilmente um homem que não pudesse mastigar sobreviveria só durante vários anos. O mais provável é que existiu verdadeiro grau de solidariedade do resto grupo com este indivíduo se adaptando com sua "dieta especial". Inclusive crê-se possível que alimentos duros como a carne fossem mastigadas por outro antes de darem a ele. Todo um gesto de humanidade.

Mas talvez, um dos mais claros gestos de afeto de nossos antepassados foi encontrado na Espanha, em Atapuerca. São uns restos achados recentemente de 530.000 anos e que pertencem a uma menina de 10 anos que tinha uma má formação na cabeça.

Seu crânio era assimétrico e o mais provável é que sofresse de deficiências físicas e mentais. Os pesquisadores não têm nenhuma dúvida de que esta menina não teria sobrevivido 10 anos se não fosse cuidada por alguém, ademais, de ter sido aceita pelo resto do grupo.

Reconstrução do rosto de Benjamina.

Em um princípio os pesquisadores pensavam que era menino e o chamaram Benjamin, "o mais querido". Quando descobriram que era menina então ficou "A mais querida".

Agora a pergunta que pode ser proposta é Por que? Por que o homem começou "de repente" a ir na contramão da lógica natural da sobrevivência?

É a regra número um da seleção de espécies e da teoria da evolução: Os especimes fracos não devem sobreviver, são um ônus que põem em perigo a sobrevivência do resto do grupo e por tanto da espécie.

Carregar um ser débil é ir contra a natureza das coisas. Então, por que o homem decidiu se opor a tão básica regra da evolução e começou a sentir compaixão, carinho, amor? Nunca saberemos, mas esperemos que esta humanidade que nos caracteriza e que a cada dia parece mais escassa, nunca nos falte.