E se eu disser que Mozart compôs uma canção chamada «Lambe a minha bunda»

Ao ouvir falar de Wolfgang Amadeus Mozart certamente a primeira coisa que nos ocorre é "Requiem", as sinfonias, "A Flauta Mágica", as sonatas, etc. Dificilmente alguém associaria o nome do músico austríaco à piada fácil, ao humor escatológico, mas assim era. Mozart usou esse humor fácil em suas cartas e em algumas poucas composições. Durante muito tempo, este material constituiu uma verdadeira dor de cabeça para os especialistas em Mozart. A própria Margaret Thatcher se negou a acreditar que isto fosse verdade.

Todos conhecemos o Mozart infantil do filme biográfico "Amadeus, de Milos Forman, de 1984. Interpretado por um Thomas Hulce maníaco e estridente, o precoce e atormentado compositor supostamente adorava escandalizar, divertir ou exasperar amigos e inimigos com brincadeiras juvenis, piadas de quinta série e humor escatológico.

Certamente ficção, né? Um exagero grosseiro, né? Sem dúvida, Mozart se comportava com mais dignidade? Hoje, aqueles familiarizados com a biografia do compositor acham que não.

Alguns especialistas veem na recorrência de Mozart à escatologia como um costume típico da sociedade da época, enquanto outros consideram que é o resultado de uma lista de traços de patologias psicológicas de Mozart. Veja o primor de cartinha apaixonada que o gênio musical de 21 anos escreveu para sua bäsle ("priminha") de 19 anos Maria Anna Thekla Mozart (autorretrato abaixo):

Bem, desejo-lhe boa noite
Mas primeiro cague na sua cama e faça explodir.
Durma profundamente, minha querida
Na sua boca sua bunda vai enfiar.

O que você faria se recebesse um e-mail ou mensagem com este desejo tão terno de boa noite de um remetente que está apaixonado por você? Muito provavelmente mandaria ele enfiar a mensagem naquele lugar. Mas foi essa a mensagem "romântica" que o grande músico enviou para a prima Maria Anna, por quem ficou apaixonado depois de passar duas semanas agradáveis de férias com ela em sua terra natal, Augsburg.

O pai de Maria Anna logo afastou a filha por não achar muito conveniente a união. Ademais Mozart era baixinho, narigudo, tinha uma orelha malformada e suas marcas da varíola unidas a este peculiar cortejo escatológico, deviam torná-lo "irresistível".

Essa correspondência é apenas uma das muitas "cartas chocantemente grosseiras" que Mozart escreveu para sua família. Foram ao todo umas quarenta cartas a seus pais, irmã, prima e amigos. Todas muito escatológicas elas. E o pior é que a coisa não ficou por aí. Além de usar este tipo de expressões com assiduidade, o grande músico não se furtou a compor algumas cantigas para suas amizades com títulos como "Lambe meu cu" ("Leck mir dêem Arsch") ou "Lambe o meu cu até deixá-lo limpinho" ("Leck mir dêem Arsch fein recht schön sauber").

No vídeo abaixo você pode escutar o cânone em Si bemol para seis vozes "Lambe meu o cu", toda uma amostra da exuberante sensibilidade infantil de Mozart.

A música escatológica de Mozart era mais provavelmente recreativa e compartilhada entre um grupo fechado de amigos embriagados. Tudo isso nos lembra a forma de cantigas (desafios) caipiras, em que cada voz entra com as mesmas palavras e música, seguindo um atraso após a voz anterior.

Pode parecer estranho que Mozart tenha feito cópias justas, inserindo esses itens em seu catálogo de obras pessoais, já que ele tendia a omitir obras efêmeras, e permitia que fossem copiados. A razão pela qual ele favoreceu essas peças pequenas e grosseiras de maneiras semelhantes às suas obras mais sérias e importantes continua sendo um mistério.

A maioria dos especialistas coincide que o humor escatológico era muito usual na Europa do século XVIII, e que Mozart não fez mais do que refleti-la em seu dia a dia.

Entretanto, na década de 80, algumas vozes apontaram que o compositor austríaco sofria da Síndrome de Tourette, um transtorno caracterizado por "tics" motrizes e fônicos. Mas a própria Associação Internacional da Síndrome de Tourette e outros profissionais estudaram as cartas e as cantigas, descartando esta possibilidade.

Quando estreou na Inglaterra a obra teatral "Amadeus", sobre uma suposta rivalidade mortal entre Mozart e Salieri, Margaret Tatcher se ofendeu enormemente. Não podia entender como o diretor daquela peça tinha se dado a "absurda" licença de pôr aqueles palavrões na boca do compositor.

- "É inconcebível que um homem que escreveu essa música tão extraordinária e elegante pudesse ser assim desbocado", disse ela ao próprio diretor, que mais tarde enviou a ela as cartas para que comprovasse por si mesma. Mas foi inútil, a primeira-ministra continuou reticente a acreditar e muitos de nós também...