![]() | Hoje estou roubando a pauta do amigo Rusmea para contar a história de fantasmas mais famosa do Japão. Há muito muito tempo nas costas do sul do Japão, um templo foi construído perto do local de uma batalha naval que encerrou um longo e terrível conflito. As Guerras Genpei, travadas no século XII entre os guerreiros rebeldes Minamoto e o clã governante Taira, ceifaram inúmeras vidas. E por séculos depois, artistas de todo o país homenagearam esse passado trágico em belas e assombrosas apresentações. |

Mas a lenda conta que o contador de histórias mais habilidoso de todos era um monge desse mesmo templo. Hōichi era um biwa-hōshi, um menestrel cego que cantava canções de batalha enquanto tocava um instrumento chamado biwa (um alaúde japonês em forma de nêspera).
Quando ele contava a história do templo, sua voz subia e descia como soldados em batalha, seu instrumento se tornando um com as ondas quebrando e as lâminas se chocando.
Uma noite, um samurai bateu nas portas do templo, exigindo a presença do biwa-hōshi. Quando Hōichi respondeu, o samurai disse que fora enviado para levar o monge até seu mestre, um nobre ansioso para ouvir a apresentação de Hōichi.
O monge concordou em seguir o samurai. No entanto, enquanto caminhavam, o chão parecia se contorcer e girar sob seus pés. Hōichi perdeu completamente a noção de onde e por quanto tempo havia viajado, quando, de repente, chegaram a um imponente edifício.
Ao entrar no salão, Hōichi sentiu inúmeros olhos o observando das sombras. Então, uma voz trovejou das profundezas da sala, exigindo que ele recontasse a história do horrível fim do clã Taira.
Hōichi tremeu. Mas então ele pigarreou e dedilhou sua primeira nota. Cantou sobre uma guerra tão terrível que despedaçou o Japão. Cantou sobre o clã Minamoto, que liderou uma rebelião sanguinária contra os Taira.
Cantou sobre as batalhas intermináveis e como, à medida que as perdas dos Taira aumentavam, eles fugiram para as costas do sul para proteger seu imperador Antoku, uma criança de apenas seis anos.
Finalmente, cantou sobre a derrota deles. Como, quando estavam encurralados e subjugados pelas forças rivais, a avó do imperador se atirou ao mar com Antoku, depois de confortar o neto, dizendo que havia uma cidade debaixo das ondas.
Quando Hōichi terminou, sons de choro encheram o ar. A voz do nobre ressoou, ordenando que Hōichi retornasse e recontasse sua história por mais seis noites. Em troca, ele seria generosamente recompensado, contanto que mantivesse essas visitas em segredo.
O monge concordou e, por várias noites, Hōichi caminhou com o samurai pelas sombras. Embora não tivesse comentado nada disso com os outros monges, certa noite o sacerdote principal notou a ausência de Hōichi.
Ele ordenou que seus servos vigiassem o jovem músico, e naquela noite eles viram Hōichi levantar-se da cama e sair furtivamente dos muros do templo. Para espanto deles, ele se acomodou no cemitério próximo e começou a tocar, cercado por bolas de fogo fantasmagóricas flutuantes.
Os servos aterrorizados arrastaram Hōichi até o sacerdote principal, e ao ouvir a história, seu líder ficou tomado de pavor. Anunciou que Hōichi havia sido invocado pelos próprios fantasmas dos Taira. E se ele aparecesse diante deles novamente, certamente pereceria.
Para proteger o biwa-hōshi, o sacerdote principal pintou sutras budistas por todo o corpo de Hōichi como uma forma de proteção mística. Ele também disse ao monge que, não importava quem encontrasse naquela noite, deveria permanecer completamente imóvel e em silêncio.
Naquela noite, quando o samurai fantasma chegou para buscar Hōichi, os sutras tornaram o corpo do monge invisível para o espectro. O samurai estava prestes a atacar em um acesso de fúria quando avistou duas orelhas flutuantes.
Em sua pressa, o sacerdote-chefe havia se esquecido de proteger as orelhas de Hōichi e, gritando de raiva, o samurai as cortou do corpo do monge. Mas, apesar da dor, Hōichi permaneceu imóvel e em silêncio.
A experiência arrepiante do biwa-hōshi tornou-se conhecida por toda parte. As pessoas corriam para ouvi-lo relatar as provações dos Taira e seu encontro com suas almas. E embora Hōichi nunca mais tenha sido visitado por fantasmas, suas apresentações lembravam os ouvintes de seus sacrifícios e sofrimentos.
Hoje, a história de Hōichi é uma das histórias de fantasmas mais conhecidas do Japão. Sua estátua pode ser encontrada entre pedras que homenageiam os guerreiros Taira caídos, lembrando-nos de honrar o passado e evitar ficar presos nos ciclos da história.
Eu decidi contar esta história depois de ver "Kwaidan" ("Histórias de Fantasmas"), um filme antológico de terror japonês de 1965 dirigido por Masaki Kobayashi, que é uma introdução perfeita às histórias clássicas de fantasmas do Japão.
Hoichi, o Sem Orelhas, é uma figura bastante conhecida do folclore japonês. A tradução da lenda para o inglês mais famosa apareceu pela primeira vez no livro "Kwaidan: Stories and Studies of Strange Things", de Lafcadio Hearn .
O texto fonte usado por Lafcadio foi identificado como o trabalho de Isseki Sanjin, intitulado "A música secreta de Biwa que fez com que Yurei lamentasse", da série Gayū kidan, publicada em 1782).
De fato, o filme consiste em quatro histórias separadas e não relacionadas, adaptadas das coleções de contos folclóricos japoneses de Lafcadio.
Ambientado no Japão feudal, os segmentos apresentam espíritos vingativos impondo retribuição moral, enquanto retratam o reino sobrenatural como amplamente indiferente ao sofrimento humano.
Recebendo aclamação da crítica, o filme ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes de 1965 uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Atualmente é considerado um dos maiores filmes de terror e um dos filmes mais belos já feitos.
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