![]() | Imagine que você vive na França do século XV e, em uma manhã fria, está indo ao barbeiro para fazer a barba e cortar o cabelo. Você ouve o som familiar de um burburinho lá dentro e vê uma tigela de sangue na janela. As duas cadeiras estão ocupadas. Para aguardar sua vez se serve de uma caneca de cerveja de um jarro deixado em cima do balcão, enquanto examina umaa fileira de dentes cariados pendurados nas paredes. De repente, um grito. Não é nada! Apenas o aprendiz de barbeiro limpando o pus do furúnculo que acabou de perfurar em um cliente. |

Na outra cadeira, o barbeiro fixa um alicate sobre um dente enegrecido e podre, enquanto o cliente se estrebucha esperneando devido a dor. Você sabe que seu atendimento vai demorar.
Durante séculos, os barbeiros do oeste e do norte da Europa não se limitavam a cortar cabelo, mas também realizavam uma série de cirurgias; da extração de dentes a pontos e até amputações.
Houve dois fatores principais que levaram os barbeiros a ocupar essa posição. Antes disso, esses procedimentos cirúrgicos eram realizados principalmente por monges.
Os clérigos eram obrigados pela Igreja Católica a usar um corte de cabelo muito específico, chamado tonsura, e a remover todos os pelos faciais, de modo que os mosteiros geralmente tinham pelo menos um barbeiro.
Dada a proximidade e a capacidade de trabalhar com lâminas afiadas, esses barbeiros frequentemente auxiliavam em cirurgias. E em 1215, a igreja emitiu um decreto proibindo os monges de qualquer ato que propositalmente derramasse sangue.
Ao mesmo tempo, universidades com faculdades de medicina estavam abrindo por toda a Europa. No entanto, esses médicos se viam como acadêmicos que jamais sujariam as mãos tocando em sangue ou empunhando facas.
Medicina e cirurgia tornaram-se duas disciplinas distintas, porém complementares, como geometria e carpintaria. Assim, as operações ficaram a cargo de barbeiros-cirurgiões.
Em vez de estudar anatomia em livros didáticos, os cirurgiões-barbeiros se formavam por meio de longos estágios. Eles frequentemente combinavam o conhecimento de anatomia com astrologia, levando em consideração tanto os sintomas do paciente quanto os eventos astrológicos correspondentes- como as fases lunares- ao decidir sobre o tratamento.
Como muitas pessoas da época, eles consideravam a posição do sol, da lua e das estrelas altamente significativa. Também memorizavam poemas para fixar informações na memória, como um que identificava onde a sangria deveria ser realizada no corpo.
Para dores de cabeça, as têmporas; para problemas no fígado, o dedo mínimo da mão direita; e para hemorroidas, a parte posterior das pernas. Os cirurgiões-barbeiros certamente se mantinham ocupados.
Por volta de 1300 d.C., o clima imprevisível em todo o Atlântico Norte, causado pelo que hoje é chamado de Pequena Era Glacial, levou a períodos regulares de fome. As pessoas frequentemente tinham que escolher entre passar fome ou comer farinha de centeio contaminada com o fungo ergot.

Isso levou a doenças generalizadas, que em casos extremos causavam gangrena, ou a decomposição do tecido corporal. Quando a gangrena se instalava, a única esperança de salvar um paciente era a amputação.
Os barbeiros serravam os membros infectados, cobrindo os cotos com bexigas de vaca ou porco enquanto se curavam. E seu trabalho não se limitava apenas a lojas e mosteiros.
Os exércitos precisavam tanto de serviços de cabeleireiro quanto de tratamento de feridas, e os cirurgiões-barbeiros os acompanhavam em campanhas próximas e distantes.
Ao longo dos séculos, os cirurgiões-barbeiros contribuíram com conhecimento importante para a comunidade médica.
Um dos mais famosos, Ambroise Paré, apagou as linhas entre médico e cirurgião-barbeiro ao publicar livros didáticos de medicina e lecionar na primeira faculdade de cirurgia da França.
No século XVI, ele ganhou renome como cirurgião militar, em parte por utilizar a prática dolorosa e clinicamente inútil de despejar óleo fervente em ferimentos de bala para cauterizar.
Mas Ambroise percebeu o quão inútil era aquele método durante a batalha de Turim em 1536 quando ficou sem óleo e teve que improvisar com uma pomada antisséptica à base de gemas de ovo, água de rosas e terebintina, que logo se tornou o tratamento padrão nos campos de batalha por toda a Europa.
No século XVIII, o conhecimento médico começou a avançar rapidamente. Novas técnicas cirúrgicas surgiram para fechar feridas, controlar a perda de sangue e realizar procedimentos complexos, como a remoção de tecido cancerígeno.
A cirurgia tornou-se mais especializada, e, sob pressão da classe médica, barbeiros e cirurgiões logo se dividiram em profissões bem definidas.
Cirurgiões e dentistas ingressaram nas fileiras dos médicos com formação universitária, enquanto os barbeiros permaneceram como artesãos que aprendiam seu ofício por meio de estágios.
No entanto, o legado do barbeiro-cirurgião ainda pode ser visto hoje, talvez de forma mais proeminente nas listras vermelhas e brancas no postes de barbearias, que, segundo a lenda, representam o sangue e as bandagens usadas por seus equivalentes pré-modernos.
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