![]() | Um visitante faminto que passeasse pelas ruas estreitas da Nápoles do século XIX encontraria uma infinidade de opções gastronômicas, algumas mais tentadoras que outras. Vendedores ambulantes ofereciam carnes e bolos, mulheres preparavam sopas e omeletes, e cabras aguardavam pacientemente a ordenha. Entre aqueles que disputavam a atenção, estariam os vendedores de massa, cuidando de caldeirões repletos de longos fios de espaguete fervendo em água fervente. |

O espaguete era retirado do banho escaldante e entregue a homens e mulheres famintos que, então, habilmente levavam punhados de macarrão à boca de uma só vez. Esses eram os apreciadores de macarrão de Nápoles.
Do século XVII ao XIX, o macarrão, termo usado para todos os tipos de massa, era uma comida de rua. E, como qualquer comida de rua que se preze, o macarrão era comido não com garfo, mas com as mãos.
Observar esse costume em ação era uma das principais atrações turísticas de Nápoles. Os apreciadores de macarrão eram retratados em guias turísticos, ilustrados em pinturas e, posteriormente, capturados em gravuras e filmes para cartões-postais.
Alguns vendedores de macarrão até faziam demonstrações para os turistas dispostos a pagar por um prato. Comer um punhado de macarrão em uma única mordida era quase um esporte, ou pelo menos um desafio gastronômico.

Em um livro publicado em 1832, Andrea de Jorio, clérigo e etnógrafo napolitano, explicou que comer macarrão "à moda napolitana" exigia que a massa fosse "engolida em um único punhado, sem interrupções". Andrea explica ainda que o macarrão deve ser despejado na boca "com as duas mãos, de forma que não haja intervalo entre os punhados sucessivos, exceto o necessário para que o macarrão chegue ao esôfago". Naturalmente, os visitantes achavam isso infinitamente divertido.
Muitos turistas se encarregavam de organizar tais espetáculos. Bastava jogar uma ou duas moedas para os lazzaroni, os mendigos de rua, para que uma corrida desenfreada consumisse o macarrão à sua maneira característica, para grande divertimento de seus benfeitores observadores.
John Lawson Stoddard, um visitante americano de Nápoles, escreveu sobre uma noite em que, enquanto dirigia por um mercado, parou para comprar 20 pratos de macarrão apenas para observar as pessoas comendo.

- "No instante em que um miserável homem recebia um prato, uma dúzia de outros se atirava sobre ele; agarravam punhados da massa fumegante e enfiavam a mistura quase escaldante goela abaixo, escreveu ele. - "Eu esperava me divertir, mas essa ânsia desenfreada por comida comum denotava fome real."
O macarrão, como John descobriu, não era apenas uma peculiaridade napolitana, mas uma importante forma de sustento para os pobres. Mas nem sempre foi assim.
A massa foi levada para a Sicília por mercadores árabes por volta do século XII. Cerca de 300 anos depois, chegou a Nápoles. A curiosa massa em forma de corda deve ter representado um desafio para os primeiros a adotá-la. Mas, em meados do século XIV, os italianos já comiam macarrão com garfo.
Durante séculos, a massa foi consumida apenas pelos ricos em ocasiões especiais e pelos camponeses como uma raridade. Tudo isso mudou no século XVII, quando o consumo de macarrão se popularizou nas ruas.

Durante o século XVII, o preço da carne e dos vegetais subiu, enquanto o preço do pão e da massa caiu. Ao mesmo tempo, o maior acesso a amassadeiras e novas prensas mecânicas permitiu que a massa fosse produzida a um custo menor do que nunca.
Nápoles, com seus ingredientes de qualidade e o ar marítimo perfeito para a secagem, tornou-se um centro de produção e consumo de massa. Os trabalhadores napolitanos pobres, que por muito tempo subsistiram com uma dieta composta principalmente de repolho e carne, passaram a depender fortemente da massa, que saciava a fome e fornecia uma grande quantidade de calorias.
Os napolitanos ficaram conhecidos como "comedores de macarrão", um epíteto que até então era reservado aos sicilianos.
No século XX, o domínio de Nápoles na produção de massas diminuiu gradualmente. Em um esforço para tornar a Itália mais autossuficiente, Mussolini transferiu o cultivo de trigo duro do sul para o centro e norte do país.
Logo, as fábricas do norte passaram a produzir massas utilizando túneis de secagem elétricos em vez do outrora cobiçado sol e brisa napolitanos. O consumo de massa acabou por migrar das ruas para os interiores, onde as mãos que antes se deliciavam com punhados de macarrão agora os comiam com garfos.
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