Durante a Primeira Guerra Mundial, várias centenas de soldados britânicos foram levados à corte marcial por covardia. Na grande maioria dos casos, os soldados envolvidos eram jovens recrutas que passaram a ser executados por fuzilamento. No entanto, muitos desses soldados sofriam do que hoje chamamos de neurose de guerra, um termo cunhado depois da Primeira Guerra para descrever o transtorno de estresse pós-traumático que afetou muitos soldados. Passaram-se muitas décadas antes que esta questão fosse finalmente confrontada e os homens recebessem indultos. Muito, muito tarde, poderíamos dizer. |
A "neurose de guerra" é uma reação ante a intensidade dos bombardeios e a luta que produz uma impotência que se traduz em pânico no soldado, que fica assustado, sente vontade de fugir ou muitas vezes perde a capacidade de raciocinar, dormir, caminhar ou inclusive falar.
Durante a guerra, o conceito não era bem definido. Certos casos foram interpretados como feridas físicas ou psicológicas ou simplesmente como falta de coragem. Durante a Segunda Guerra Mundial e mais adiante, o diagnóstico de "neurose de guerra" foi substituído pelo conceito de "fadiga de combate", uma resposta similar, mas não idêntica ao trauma da guerra e aos bombardeios.
A princípio, os afetados por neurose de guerra eram logo evacuados do campo de batalha, em parte por medo de seu comportamento imprevisível. À medida que crescia em número o Exército Britânico começou a escassear; o número de casos de neurose se converteu em um problema crescente para as autoridades militares. Na batalha do Somme, em 1916, 40% das baixas foi por neurose, o que se converteu em uma epidemia psiquiátrica, insustentável militar e economicamente.
Entre as consequências disto estavam incluídas a crescente preferência oficial de uma interpretação psicológica para a neurose de guerra, junto com uma tentativa deliberada de evitar a medicalização deste transtorno. Se os homens não estivessem feridos, era mais fácil devolvê-los à frente para que continuassem lutando (e se matando). Outra das consequências foi o tempo e o esforço investido para tratar os sintomas da neurose.
Na batalha de Passchendaele, em 1917, o Exército Britânico já tinha desenvolvido métodos para reduzir a neurose. Qualquer soldado que demonstrasse os sintomas deveria descansar alguns dias na Estação de Compensação de Acidentes, um posto médico avançado que ficava próximo da batalha.
Se os sintomas persistissem, os pacientes eram transladados a algum dos quatro centros psiquiátricos localizados por trás das linhas, chamados "Ainda não diagnosticado neurótico", onde ficavam à espera das análises por parte dos médicos especialistas.
O tratamento da neurose de guerra aguda variava amplamente segundo os sintomas, a opinião dos médicos e outros fatores, como a faixa e a classe do paciente. Tinha tantos oficiais e soldados que sofriam deste transtorno que dezenove hospitais britânicos ficaram lotados totalmente dedicados ao tratamento destes casos. Dez anos após a guerra, 65.000 veteranos ainda seguiam em tratamento na Grã-Bretanha. Na França era possível visitar em 1960 idosos vítimas de neurose de guerra que permaneciam hospitalizados.
Como dizíamos, alguns homens que padeciam de neurose foram levados a julgamento, e até em alguns casos executados, por crimes militares que incluíam a deserção e a covardia. Conquanto reconheciam que o estresse da guerra podia debilitar os homens, um episódio duradouro costumava ser visto como um sintoma de falta de caráter. A pressão constante em evitar que fosse reconhecida medicamente fez com que a neurose não fosse reconhecida como tal e nem era uma alegação admissível.
A execução de soldados no Exército Britânico não foi algo habitual. Apesar de que ocorreram 240.000 cortes marciais com 3.080 sentenças de morte, elas foram cumpridas em "apenas" 346 casos. Um total de 266 soldados britânicos foram executados como desertores, 18 por covardia, 7 por abandonar seu posto sem permissão, 5 por desobediência a uma ordem legítima e 2 por descartar armas. Em 7 de novembro de 2006, o governo do Reino Unido deu a todos um perdão condicional póstumo.
A neurose de guerra teve um profundo impacto na cultura britânica e na memória popular da Primeira Guerra Mundial. Durante a época, escritores da guerra como os poetas Siegfried Sassoon e Wilfred Owen trataram a neurose em suas obras. Sassoon e Owen passaram tempo no hospital de guerra de Craiglockhart, onde eram tratadas as vítimas. De fato, Wilfred sofreu um choque de guerra, mas como oficial recebeu um tratamento muito melhor do que os conscritos.
Uma pesquisa recente da Universidade Johns Hopkins descobriu que o tecido cerebral de veteranos de combate que foram expostos a artefatos explosivos improvisados exibia um padrão de lesões nas áreas responsáveis da tomada de decisões, memória e razoamento. Esta evidência levou os pesquisadores a concluir que a neurose de guerra pode não só ser uma desordem psicológica, já que os sintomas exibidos pelas vítimas da Primeira Guerra são muito similares a estas lesões.
O curta-metragem "Covarde", mostrado logo abaixo, aborda o tratamento muitas vezes brutal dispensado a esses homens. Segue a jornada de dois primos da Irlanda do Norte, Andrew e James, que se alistam para lutar nas trincheiras ao lado de seus compatriotas. Como muitos jovens da época, eles se juntaram para lutar por seu país e para deixar suas famílias orgulhosas, mas não tinham ideia real do inferno de Ypres de 1917 para o qual estavam prestes a marchar.
O curta tem menos de meia hora de duração e dá uma ótima visão das condições em que os soldados deveriam viver e lutar na trincheira: a descoberta horrível de um corpo no filme não é para os fracos de coração.
No entanto, "Covarde" provoca reflexão sobre como os soldados comuns foram tratados na Primeira Guerra Mundial. Sua desconexão absoluta com o mundo natural é extremamente bem retratada aqui e o curta mostra muito habilmente a jornada de despreparados jovens alistados para combater ao lado de tropas cansadas, corte marcial e execução.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários