![]() | Da década de 1650 até o final do século XIX, colonos europeus invadiram a África do Sul. Primeiro, forças holandesas e, posteriormente, britânicas buscaram reivindicar a região para si, com sua luta se tornando ainda mais agressiva após a descoberta dos abundantes recursos naturais da região. Em sua luta implacável, ambas as potências coloniais removeram violentamente inúmeras comunidades indígenas de suas terras ancestrais. Mas apesar desses conflitos, os colonizadores frequentemente alegavam que estavam se estabelecendo em terras vazias, desprovidas de habitantes locais. |

Esses relatos foram corroborados em cartas e relatos de viagem de vários administradores, soldados e missionários. Mapas foram desenhados refletindo essas alegações, e proeminentes historiadores britânicos apoiaram essa narrativa.
As publicações que codificavam a chamada Teoria da Terra Vazia tinham três argumentos centrais. Primeiro, a maior parte das terras colonizadas pelos europeus não possuía comunidades estabelecidas ou infraestrutura agrícola.
Segundo, quaisquer comunidades africanas que estivessem nessas regiões haviam, na verdade, entrado na área ao mesmo tempo que os europeus, portanto, não tinham uma reivindicação ancestral à terra.
E terceiro, como essas comunidades africanas provavelmente haviam roubado as terras de povos indígenas anteriores, que já não estavam presentes, os europeus estavam no direito de desalojar esses colonos africanos.
O problema é que todos esses três argumentos eram completamente falsos. Quase nenhuma dessas terras estava vazia e os africanos viviam ali há milênios.
Os indígenas sul-africanos simplesmente tinham uma prática de propriedade de terras diferente da dos holandeses e britânicos. A terra pertencia a famílias ou grupos, não a indivíduos.
E mesmo essa propriedade era mais focada nos produtos agrícolas da terra do que na terra em si. Os líderes comunitários distribuíam direitos sazonais à terra, permitindo que vários grupos nômades pastoreassem gado ou buscassem vegetação.
Mesmo os grupos que viviam em grandes assentamentos agrícolas não acreditavam que possuíam a terra como propriedade privada. Mas os colonizadores europeus não respeitavam esse sistema de propriedade. Concluíram que a terra não pertencia a ninguém e, portanto, poderia ser dividida entre eles.
Nesse contexto, as alegações de que a terra estava "vazia" eram uma simplificação ignorante e exagerada de uma realidade muito mais complexa. Mas a Teoria da Terra Vazia permitiu que acadêmicos britânicos reescrevessem a história e minimizassem as populações nativas.
Em 1894, o Parlamento Europeu na Cidade do Cabo levou essa exploração ainda mais longe ao aprovar a Lei Glen Grey. Este decreto tornou funcionalmente impossível para os nativos africanos possuírem terras, destruindo o sistema de propriedade tribal coletiva e criando uma classe de pessoas sem terra.
Para justificar o roubo, os europeus retrataram os moradores locais como bárbaros, sem capacidade de raciocínio e que estariam melhor sendo governados pelos colonizadores.
Essa estratégia de privar os moradores locais de seu direito às terras ancestrais e classificar os nativos como selvagens foi empregada por muitos colonizadores.
Hoje conhecido como o Mito da Terra Vazia, esta é uma técnica bem estabelecida no manual colonial, e seu impacto pode ser encontrado na história de muitos países, incluindo Brasil, Austrália, Canadá e Estados Unidos, onde ficou conhecido como "colonialismo de povoamento".
E na África do Sul, a influência dessa narrativa pode ser atribuída diretamente a uma campanha brutal de racismo institucionalizado.
Excluídas de suas terras, a população outrora autossuficiente lutava como trabalhadores migrantes e mineradores em propriedades de europeus. A lei os proibia de exercer certos empregos qualificados e forçava os africanos a viver em áreas racialmente segregadas.
Com o tempo, essas políticas racistas se intensificaram, determinando a separação em áreas urbanas, restringindo o direito ao voto e, eventualmente, levando ao famigerado apartheid.
Sob esse sistema, os africanos não tinham direito ao voto, e a educação dos nativos africanos foi reformulada para enfatizar sua subserviência legal e social aos colonos brancos.
Esse estado de racismo imposto pela lei persistiu até o início da década de 1990 e, ao longo desse período, os colonos frequentemente invocavam a Teoria da Terra Vazia para justificar a distribuição desigual de terras.
Movimentos de resistência sul-africanos lutaram ao longo do século XX para conquistar liberdade política e econômica. E desde a década de 1980, acadêmicos sul-africanos têm usado evidências arqueológicas para corrigir os registros históricos.
Hoje, as escolas sul-africanas finalmente ensinam a verdadeira história da região. Mas o legado do Mito da Terra Vazia ainda persiste como uma das histórias mais nocivas já contadas.
Apesar da expressão popular "Nessa terra em se plantando tudo dá!" atribuída a Pero Vaz de Caminha, o conceito de "Teoria da Terra Vazia" foi utilizado pelos colonizadores portugueses no Brasil.
Da mesma forma a teoria factual era usada para justificar a desapropriação e a exploração de terras indígenas. Os portugueses, juntamente com governos brasileiros posteriores, retrataram falsamente vastas regiões do interior, como o sertão, como vazias ou selvagens, o que legitimou suas invasões violentas, o deslocamento de povos indígenas e a extração de recursos.
Os portugueses ignoraram as sociedades indígenas existentes e prósperas, que tinham sistemas diversos de propriedade e uso da terra. O mito de uma terra vazia fornecia uma narrativa conveniente que permitiu a conquista violenta e a colonização do interior, enquadrando a invasão como um esforço heróico para "civilizar" ou desenvolver um território não cultivado.
Os bandeirantes, figuras históricas que exploraram violentamente o interior do país, eram frequentemente invocados por políticos para promover essa integração e ocupação de terras, reforçando a ideia de preenchimento de espaços vazios.
Em essência, enquanto os portugueses enfrentavam desafios reais na ocupação do interior do Brasil, a narrativa da "terra vazia" era uma ferramenta de legitimação para suas ações, apresentando uma imagem falsa do território como vago e subdesenvolvido para esconder a violência e a desapropriação que eram centrais para seu projeto colonial.
Em 1500, estima-se que o Brasil era habitado por um número entre 8 e 10 milhões de indígenas, não havendo um consenso exato entre os historiadores. Essa população era composta por uma grande diversidade de povos indígenas, divididos em diferentes grupos linguístico-culturais, como os Tupis, Jês, Aruaques e Caraíbas.
Após o início da colonização, essa população sofreu um declínio drástico, e por volta de 1650 já havia caído para cerca de 700 mil pessoas devido a conflitos, escravidão e, principalmente, às doenças, como gripe e tuberculose, trazidas pelos colonizadores, contra as quais os nativos não tinham imunidade, que causaram um verdadeiro genocídio dos povos indígenas no Brasil desde o início da colonização.
De fato, Teoria da Terra Vazia continua a alimentar as lutas atuais pela restituição de terras e justiça econômica nas sociedades pós-coloniais. Isso levou a uma compreensão profundamente falha da história, suprimindo as verdadeiras histórias de resiliência, enraizamento e pertencimento legítimo dos povos indígenas.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig: 461.396.566-72 ou luisaocs@gmail.com
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários