![]() | Na ponta mais oriental do Peloponeso, de frente para as águas abertas do Mar da Lacônia, ergue-se um promontório calcário com um quilômetro e meio de comprimento e quase duzentos metros de altura. De longe, parece uma ilha , mas um estreito istmo o liga ao continente. Sobre esse afloramento rochoso encontra-se uma das cidades mais singulares do mundo: Monemvasia, uma fortaleza natural habitada continuamente há quase mil e quinhentos anos. |

O nome deriva das palavras gregas monē (único) e emvasis (entrada), aludindo ao seu acesso fortificado, o único portão através do qual se podia penetrar no interior da rocha.
Essa condição de ser um enclave fechado e quase inexpugnável define a sua história: Monemvasia nasceu como um refúgio, prosperou como um porto comercial e sobreviveu a invasões, terremotos e epidemias sem jamais deixar de ser habitada durante um único século.
A chamada Rocha de Monemvasia é, na verdade, um tômbolo, uma formação geológica criada pelo acúmulo de sedimentos que outrora ligava uma ilha ao continente. No século XIX, para facilitar a passagem de pequenas embarcações, foi aberto um canal e construído um pequeno calçadão de pedra com cerca de 400 metros, o mesmo que os visitantes atravessam hoje. Essa união entre o mar e a rocha, entre a solidão e a proteção, explica em grande parte o caráter do local.

A parte superior do afloramento rochoso, conhecida como Áno Póli, ou Cidade Alta, preserva os vestígios de muralhas, torres e cisternas que outrora formavam uma fortaleza militar inexpugnável. Na encosta sudeste, mais perto da água, fica Káto Póli, ou Cidade Baixa, onde ainda se erguem casas bizantinas, ruelas de pedra e igrejas medievais, conferindo a Monemvasia a aparência de uma cidade congelada no tempo.
As origens: do abandono de Sparta ao nascimento de uma fortaleza.
Para entendermos sua fundação, precisamos voltar ao século VI d.C. Naqueles anos, o Império Bizantino sofreu os efeitos combinados de terremotos, incursões bárbaras e a grande peste do século VI. Esparta, já bastante reduzida desde a Antiguidade, foi devastada pelos godos de Alarico, pelos vândalos de Genserico e, finalmente, por uma epidemia que reduziu drasticamente sua população.
Segundo a Crônica de Monemvasia, os sobreviventes da antiga Lacedemônia, fugindo das invasões eslavas por volta de 587, refugiaram-se nesta rocha inexpugnável sob a orientação de seu bispo. Embora a arqueologia sugira que um pequeno povoado já existia na época do imperador Justiniano, foi essa onda de refugiados que moldou a cidadela.
Essa mudança não foi um caso isolado. Durante o reinado de Justiniano, muitas comunidades em todo o Império se realocaram para locais mais defensivos, uma política de reorganização urbana impulsionada por constantes ameaças marítimas e terrestres. Assim, Monemvasia surgiu como parte de um processo planejado: uma nova Esparta voltada para o mar.

Enquanto grande parte do Peloponeso entrou em declínio após o século VII, Monemvasia prosperou. Sua posição na rota marítima entre Constantinopla e a Sicília a tornou um centro estratégico para o comércio bizantino. Fontes do século VIII mencionam sua existência como uma parada regular para peregrinos e mercadores. Moedas encontradas no local, cunhadas na Sicília sob o imperador Filipo Bardanes, confirmam a vitalidade dessas trocas comerciais.
Os relatos de cronistas como o monge Teófanes, o Confessor, descrevem como a peste de 746 chegou ao Mar Egeu, passando precisamente por Monemvasia. Mesmo naquela época, era um porto de certa importância e uma comunidade cristã bem estabelecida, com igrejas, armazéns e oficinas.
Durante os séculos IX e X, a cidade sofreu ataques árabes vindos de Creta, mas resistiu a todos. Nesses anos, foram escritos textos hagiográficos que mencionam a chegada às suas costas de relíquias de santos da Hispânia, incluindo São Valério e Santa Eulália de Barcelona. Os habitantes as recolheram e construíram um santuário nos penhascos, dando origem à atual Igreja de Cristo Elkomenos, a igreja mais emblemática da cidade.
A era da prosperidade bizantina
Entre os séculos XI e XII, atingiu o seu auge económico. O comércio de vinho, azeite, seda e cereais fez dela um dos principais portos do Peloponeso. O seu vinho doce, exportado para o Ocidente e apreciado em toda a Europa medieval, era conhecido como Malvasia, nome derivado do topônimo Monemvasia.
Durante o reinado dos imperadores Comnenos, a cidade foi completamente fortificada, circundando todo o perímetro do afloramento rochoso. No topo, foi construída a Igreja de Santa Sofia, inspirada na de Constantinopla, enquanto na base, a Basílica de Cris to Elcomenos foi reconstruída, abrigando um ícone bizantino de valor inestimável. A população chegou a vários milhares de habitantes, e o local era considerado a chave para o Egeu ocidental.
Em 1147, o rei normando da Sicília, Rogério II, tentou conquistá-la durante sua ofensiva contra Bizâncio. A resistência foi tão feroz que, após meses de cerco, os normandos se retiraram com pesadas baixas. O comandante da fortaleza, Teodoro Mavrozomes, foi recompensado pelo imperador Manuel I, e sua família tornou-se uma das mais influentes do Peloponeso.

Após a queda de Constantinopla durante a Quarta Cruzada (1204), os senhores francos do Principado da Acaia avançaram para o sul. Monemvasia resistiu por quase duas décadas, mas finalmente, em 1252, foi conquistada pelo Príncipe Guilherme II de Villehardouin após um cerco de três anos. Muitos habitantes recusaram-se a viver sob o domínio latino e emigraram para a Ásia Menor, fundando ali um novo assentamento chamado Nea Monemvasia.
Quando Villehardouin foi capturada pelos bizantinos na Batalha de Pelagônia (1259), o imperador Miguel VIII Paleólogo negociou sua libertação em troca da devolução de quatro castelos: Mistrá, Maina, Geraki e Monemvasia. Assim, a fortaleza retornou ao controle bizantino. A cidade tornou-se sede de um estratego imperial e de um metropolita ortodoxo, o que restaurou sua autonomia e prosperidade.
Durante os séculos XIV e XV, Monemvasia viveu sua era de ouro. Era um centro comercial com rotas para Constantinopla, Creta e Sicília, e um polo intelectual com escolas e mosteiros. Em 1324, sua metrópole contribuiu com mais receita para o Patriarcado de Constantinopla do que qualquer outra cidade grega. A paz foi perturbada por ataques de piratas e conflitos internos, mas o comércio e a vida urbana continuaram a prosperar.
Entre venezianos e otomanos
Com a expansão otomana no Peloponeso, Monemvasia tornou-se um dos últimos bastiões bizantinos livres. Após a queda de Constantinopla em 1453, os governantes locais buscaram proteção no Ocidente. Em 1460, a cidade foi oferecida ao Papa Pio II, que aceitou sua soberania. Pouco tempo depois, passou para o domínio veneziano.

O primeiro domínio veneziano (1463–1540) garantiu um certo grau de estabilidade. O porto foi modernizado e a cidade foi integrada ao sistema comercial da República de Veneza. No entanto, as guerras contra os otomanos gradualmente a isolaram. Em 1540, após mais um conflito, Veneza foi forçada a entregar Monemvasia ao sultão Solimão, o Magnífico.
Durante os dois séculos seguintes, sob domínio otomano, a cidade perdeu população e poder econômico. A Cidade Alta foi abandonada e apenas os terraços próximos ao mar permaneceram habitados. Mesmo assim, Monemvasia continuou sendo um importante posto militar, com uma pequena guarnição e um porto ativo. Os censos do século XVI registram pouco mais de 300 famílias, em sua maioria cristãs.
No século XVII, durante a Guerra de Creta, os venezianos fizeram várias tentativas de recapturá-la. Somente em 1690, após uma longa campanha liderada pelo General Girolamo Corner, conseguiram reconquistá-la. Monemvasia tornou-se então a capital do distrito veneziano da Lacônia, e um programa de reconstrução foi implementado. Por volta de 1700, sua população ultrapassava os 1.600 habitantes.
Mas esse segundo período veneziano foi de curta duração. Em 1715, os otomanos retornaram com um poderoso exército e frota. A cidade se rendeu após breves negociações; alguns de seus habitantes foram escravizados, outros fugiram para às Ilhas Jônicas.
Da decadência grega ao renascimento
Durante o século XVIII, Monemvasia experimentou um lento declínio. A fortaleza permaneceu em mãos otomanas, mas a população era predominantemente grega. Houve pequenas recuperações econômicas graças ao comércio costeiro e à exportação do vinho Malvasia, embora este já não fosse produzido na própria rocha, mas sim nos vinhedos do interior.
Em 1770, durante a revolta de Orlofika, o bispo Anthimos Lesvios e um grupo de monemvasiotes tentaram tomar o castelo dos turcos, mas foram derrotados. A cidade foi saqueada e sua população drasticamente reduzida.
Quando a Guerra da Independência Grega eclodiu em 1821, Monemvasia foi um dos primeiros alvos. Um contingente de maniotas liderado por Tzannetakis Grigorakis e pelo Capitão Kakavoulia sitiou a fortaleza por quatro meses. Em 23 de julho de 1821, a guarnição otomana se rendeu. Foi a primeira cidade fortificada libertada pelos insurgentes.
Contudo, as lutas internas pelo controle dos espólios e do governo local degeneraram em desordem. Nos anos seguintes, a cidade mudou de mãos diversas vezes entre facções gregas rivais. Quando Ioannis Kapodistrias assumiu a liderança do novo estado grego, Monemvasia tinha apenas cerca de 600 habitantes e a maioria de suas casas estava em ruínas.
Uma cidade congelada no tempo<
Ao longo do século XIX, Monemvasia viveu uma espécie de sonolência. Muitos dos seus habitantes emigraram para o continente, para a pequena cidade nova que surgiu em frente à rocha. A Cidade Alta ficou completamente deserta e, na Cidade Baixa, restaram apenas algumas famílias, dedicadas à pesca e à agricultura.
A história, porém, preservou algo mais valioso do que sua prosperidade: a integridade de seu traçado urbano medieval. As ruas estreitas, as casas com arcos, as cisternas bizantinas e as igrejas permaneceram quase intactas. Entre elas, destaca-se a Igreja de Cristo Elkomenos, com seus mosaicos bizantinos e o antigo canhão que ainda se conserva na praça principal.
A partir da década de 1970, a restauração de suas casas e igrejas deu nova vida ao enclave. Monemvasia foi declarada monumento histórico e começou a atrair historiadores, arquitetos e viajantes interessados em sua excepcional continuidade urbana. Ao contrário de outras fortalezas medievais, aqui a cidade nunca foi completamente abandonada; seu pulsar, embora tênue, jamais cessou.
Monemvasia é, em essência, um arquivo pétreo do Mediterrâneo oriental. Sua história reflete as transformações de Bizâncio, as ambições de Veneza e o pulsar da Grécia moderna. Sua geografia, essa rocha ligada ao continente por uma fina faixa de areia, simboliza a tênue fronteira entre isolamento e contato, entre defesa e abertura para o mar.
Caminhar hoje pela sua rua principal, a antiga praça bizantina (kalderimi), é percorrer quinze séculos de continuidade urbana. Cada pedra, cada abóbada, preserva os vestígios dos impérios que a cobiçaram. A cidade alta, deserta e exposta ao vento, evoca sua vocação militar; a cidade baixa, com suas casas transformadas em oficinas e hospedagens, revive seu passado mercantil.
Monemvasia permanece uma fortaleza habitada, um exemplo excepcional de uma cidade medieval viva. Do século VI até os dias atuais, sua população, raramente numerosa, sempre resiliente, manteve uma ligação ininterrupta com o local. Essa persistência a torna um laboratório histórico único: um microcosmo do mundo bizantino que sobreviveu aos séculos em uma rocha suspensa sobre o Mar Egeu.
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