A molécula ardente

Estou com uma sensação extrema de dejà vu, mas nada encontrei no Mdig, de forma que provavelmente eu não escrevi nada sobre o assunto. É claro que todos já sentiram a sensação de ardor na boca produzida ao ingerir um alimento muito picante. Imaginem por um segundo que é um animal selvagem, herbívoros, e que por azar come no café da manhã uma bela quantidade de pimenta. O mais provável que em toda sua vida jamais esqueça o que aconteceu, e nunca mais tente devorar uma planta como aquela.

Pois foi precisamente por isso que a sempre sábia mãe natureza (alias seleção natural) desenvolveu a capsaicina, a molécula da pimenta. Seu nome completo é
8-metil-N-vanillil-6-nonenamida, e mais abaixo é possível ver sua estrutura química. É muito irritante para os mamíferos, já que estimula os receptores da dor e do calor -por isso a característica sensação de ardor-. Desta forma, as plantas do gênero Capsicum evitam que os herbívoros se alimentem com seus frutos.

No entanto, a maioria das aves são imunes a seus efeitos. Provavelmente devido a que à planta suponha uma vantagem evolutiva ao incentivar que só pássaros se alimentem de seus frutos. Devido a sua maior mobilidade, são de grande ajuda para disseminar suas sementes.

Nosso organismo não é muito bom metabolizando a capsaicina, motivo pelo qual poderíamos dizer que praticamente tudo que entra, sai. Os receptores sobre os quais age estão na epiderme e por isso seus efeitos irritantes se limitam a ambos extremos do tubo digestivo. Esse é o motivo pelo qual a pimenta tem fama de provocar dores que se sofrem em silêncio.

Os efeitos da pimenta desaparecem em um máximo de 6-8 horas. É uma molécula hidrofóbica, que não se dissolver em água; ao bebê-la não conseguiremos aliviar o efeito. No entanto, sim é possível dissolvê-la em gordura, portanto beber leite integral fria é o método mais eficaz para voltar à normalidade.

Em 1912 Wilbur Scoville desenvolveu uma escala que permite medir quão ardente é uma determinada pimenta. Originalmente, a medição era realizava criando uma solução com o extrato do fruto, e diluindo até que a ardência não fosse mais detectável para um comitê de cinco catadores experientes.

Quanto mais precisamos diluir o extrato para que deixe de ser picante, maior pontuação obterá na escala Scoville. Por exemplo, a Bhut Jolokia, a pimenta mais ardida da atualidade, acumula 1.001.304 unidades, o que significa que precisa ser diluído até uma concentração de um milhão de vezes. O spray de pimenta utilizado em defesa pessoal atinge os dois milhões de unidades.

Por suposto, hoje em dia é utilizado um método analítico, como a cromatografia, que elimina a subjetividade da medição.

O efeito prazeroso produzido pela pimenta em algumas pessoas se deve à liberação natural de endorfinas que tentam mitigar a dor. Ademais, aplicada diretamente sobre a pele, pode saturar os receptores da mesma, tornando-a praticamente insensível à dor. Isto faz que possa ser utilizada como analgésico em casos de lombalgia, por exemplo.

Estanho mesmo é a gente chegar a conclusão de que o que a seleção natural desenvolveu como uma agressiva defesa, nós convertemos em um prazer culinário. A Mãe Natureza deve fica alucinada com o ser humano.