Os soldados de antes eram menos assassinos que os de agora

Quando nos imaginamos como pode ter sido uma guerra, estamos sempre influídos inevitavelmente pelos filmes que vimos, o que nos leva a conceber tópicos cinematograficamente plausíveis que em realidade nunca acontecem. Por exemplo, que disparando em um carro, este salta pelos ares.

Os filmes do senhor dos anéis ou 300 também nos fizeram achar que as batalhas eram essencialmente dois bandos de milhares de soldados se enfrentando no meio do nada. Algo também inverossímil porque esses milhares de soldados, com seus cavalos, precisariam de tanto sustento que não chegariam muito longe ou deveriam ir de povoado em povoado esgotando todos seus recursos.

Outra ideia muito cinematográfica é que os soldados, nas guerras modernas, disparam para matar. Quando é bem o contrário, ao menos até muito pouco tempo. Por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, o general de brigada do Exército dos EUA Samuel Lyman Atwood Marshall realizou um estudo com milhares de soldados bem após terem participado de um combate. O estudo sugeriu que menos de 20% dos soldados dispararam realmente no inimigo, inclusive quando estavam sendo atacados.

Curiosamente, a causa mais habitual do fracasso individual na batalha é mais o medo de matar que o medo de ser morto. No momento crucial do combate, o soldado converte-se em um objetor de consciência.

Para evitar que os soldados só fossem ao campo de batalha para fazer barulho e número, o Exército dos Estados Unidos realizou um novo regime de instrução com objetivo de incrementar a proporção de soldados que disparassem para matar. Este novo regime incluía que os recrutas ensaiassem sem descanso o assassinato do inimigo, disparando sobre alvos anatomicamente verossímeis que caíam para trás depois de serem atingidos.

O que ensinam neste meio é a capacidade de disparar de forma reflexiva e instantânea. Os soldados se insensibilizam com respeito à ação de matar até que isto se torna apenas uma resposta automática.

Os resultados desta nova instrução foram notáveis. Por exemplo, o próprio Marshall estudou que na guerra da Coréia, já passava de 55% dos soldados de infantaria que disparavam efetivamente suas armas. No Vietnã, a proporção de fogo foi parar quase em 90%.

O exército também começou a insistir na tática no campo de batalha, como os bombardeios a partir de grandes alturas ou o fogo de artilharia de longo alcance, que conseguiam dissimular os custos pessoais da guerra. Quando lançavam bombas desde doze mil metros, a decisão de disparar é como girar o volante de um carro: as pessoas mostram-se alheias às mortes resultantes.

Estes resultados confirmam que o ser humano tem algo bem como uma moral inata, as principais fontes de nossos julgamentos morais não procedem da escola, igreja ou outras instituições senão de uma herança biológica que permitiu consolidar nossas sociedades pretéritas.

Fonte: How We Decide de Jonah Leherer.