![]() | Lembro quando meus filhos eram adolescentes, minha filha com 16 anos e o menino com 14, a trabalheira que dava para tirá-lo da cama para ir à escola. Geralmente isso acontecia às 6h da manhã, completamente escuro lá fora. Tassiane acordava antes de mim, mas Cassiano acordava aos trancos e barrancos e ficava um grande tempo como um zumbi que não sabia o que estava fazendo. Normal, eu pensava, eu também me portava de forma equivalente quando era criança chacoalhado pela minha avó para deixar a cama. |

Certo dia parei para pensar um pouco e me senti mal por estar fazendo isso com meu próprio filho. Na época, preocupado com a possibilidade de um transtorno levei-o ao médico, que disse que aquilo era comum e não tinhas nada de errado.
Quando sou confrontado com um problema que não posso resolver, tenho costume de ler toda a literatura sobre ele. Então logo descobri que estava privando meu filho do sono de que ele tanto precisava nesta fase de rápido crescimento da adolescência.
Também aprendi que, ao acordá-lo horas antes do seu relógio biológico natural indicar que ele estava pronto, estava literalmente roubando dele o tipo de sono mais associado à aprendizagem, consolidação da memória e processamento emocional.
Mas não é só o meu filho que estava sendo privado de sono. A privação de sono entre adolescentes brasileiros é uma epidemia. Apenas cerca de 1 em cada 10 dorme as 8 a 10 horas por noite recomendadas por cientistas do sono e pediatras.
O principal fator que impede os adolescentes de obterem o sono de que precisam é uma questão de política pública. Em todo o país, muitas escolas começam as aulas por volta das 7h30 ou mais cedo -aqui em Joinville várias começam às 7h00-, apesar das principais organizações médicas recomendarem que as escolas de ensino fundamental e médio só comecem as 8h30.
É só fazer as contas, troca de roupa, tomar café e deslo0camednto até a escola, muitas vezes a pé exigem que a criança acorde as 6h00 ou até antes.
Essas políticas de início de aula muito cedo têm um efeito direto na quantidade de sono que os adolescentes desfrutam. E por mais que os pais insistam que eles devem ir para cama mais cedo, não funciona, porque eles simplesmente não conseguem dormir "com as galinhas".
Estas políticas também colocam os adolescentes em uma luta fundamentalmente perdida contra seus próprios corpos. Por volta da puberdade, os adolescentes experimentam um atraso em seu relógio biológico, que determina quando nos sentimos mais despertos e quando nos sentimos mais sonolentos.
Isso é impulsionado, em parte, por uma mudança na liberação do hormônio melatonina. O corpo dos adolescentes espera para começar a liberar melatonina por volta das 23h, duas horas mais tarde do que em adultos ou crianças menores.
Isso significa que acordar um adolescente às 6h da manhã é o equivalente biológico a acordar um adulto às 4h da manhã. Se eu tivesse que acordar todo dia às 4h da manhã, eu viraria um zumbi. Funcionalmente inútil. Sem conseguir pensar direito e irritadiço.
Mas é assim que muitos adolescentes se sentem todos os dias letivos. Muitas das características, digamos, desagradáveis que atribuímos à adolescência -mau humor, irritabilidade, preguiça, depressão- podem ser produto da privação crônica de sono.
Para muitos adolescentes que lutam contra a perda crônica de sono, a estratégia preferida para compensar é consumir grandes quantidades de cafeína na forma de Frappuccinos e bebidas energéticas. Então, essencialmente, temos uma população inteira de jovens cansados, mas agitados.
Os defensores de horários de início de atividades que favoreçam o sono sabem que a adolescência é um período de desenvolvimento cerebral dramático, particularmente nas partes do cérebro responsáveis pelos processos de pensamento de ordem superior, incluindo raciocínio, resolução de problemas e bom senso.
Em outras palavras, o mesmo tipo de atividade cerebral responsável por controlar os comportamentos impulsivos e muitas vezes arriscados que são tão característicos da adolescência.
Eles sabem que, como todos nós, quando os adolescentes não dormem o suficiente, seus cérebros, seus corpos e seu comportamento sofrem. Eles não conseguem se concentrar.
A atenção deles cai drasticamente e muitos chegam a apresentar sinais comportamentais que imitam o TDAH.
Mas as consequências da privação de sono na adolescência vão muito além da sala de aula, infelizmente contribuindo para muitos dos problemas de saúde mental que disparam durante a adolescência.
Na épo0ca, eu passei a ser mais atuante na vida letiva de meus filhos, passei a fazer parte do conselho de pais onde expunha todas estas questões. Mas a maioria dos pais nem liga. Para eles basta que os filhos passem de ano mesmo sendo analfabetos funcionais.
Um estudo de 2024, descobriu que adolescentes com problemas de sono tinham 55% mais chances de ter consumido álcool no último mês, o que acabou acontecendo com o Cassiano.
Em outro estudo de 2023 com mais de 30.000 estudantes do ensino médio, descobriu-se que para cada hora de sono perdida, havia um aumento de 38% na sensação de tristeza ou desesperança e um aumento de 58% nas tentativas de suicídio entre adolescentes.
E, como se não bastasse, adolescentes que não dormem o suficiente correm maior risco de desenvolver uma série de problemas de saúde física, incluindo obesidade, doenças cardíacas e diabetes.
Quanto ao meu filho, decidi que bastava quando fui buscá-lo na casa de uma amigo depois de se embebedar como um gambá com vinho. Matriculei-o em uma escola particular com período vespertino e ele mudou do "vinho para a água".
Lógico, ele exagerava e às vezes dormia até o horário do almoço. Mas seu humor melhorou, passou a tirar só notas altas, apreendeu violão para se tornar meu parceiro de cantoria e passou em terceiro lugar na Federal do Paraná em Engenharia Eletrônica. Toda uma mudança!
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