![]() | Será que sou mesmo um leitor se não li 200 livros no ano passado? Algo curioso está acontecendo com as coisas que costumávamos fazer simplesmente para nós mesmos por puro prazer. O que antes eram paixões pessoais, como ler, fotografar, cozinhar e pedalar, estão começando a parecer... diferentes. À medida que a linha entre o que mantemos em privado e o que compartilhamos nas redes sociais fica cada vez mais tênue, os hobbies parecem menos algo que fazemos para nós mesmos e mais algo que fazemos para postar ou simplesmente para dizer que fizemos. |

Estamos vivenciando essas alegrias e processos criativos de forma diferente, todos tão absortos em tirar boas fotos e gravar vídeos do que estamos fazendo e em buscar a aprovação do público enquanto fazemos isso.
A verdadeira satisfação dos nossos hobbies se transformou em performances, medidas por curtidas e validação em vez de realização genuína. E a pressão para parecer produtivo ou interessante ofuscou o motivo pelo qual realmente praticamos esses hobbies: diversão.
Recentemente uma amiga me questionou como pedalei quase 100 km na trilha da serra entre Joinville e Schröeder, que tem paisagens maravilhosas, sem tirar uma única foto para postar nas redes sociais.
- "Porque fui pedalar, oras, não tirar fotos", respondi. Amo pedalar e tirar fotos, mas são duas atividades bem diferentes. Quando vou pedalar só deixo a bike se caso levar um tombo. Quando vou fotografar gosto de levar minhas câmeras e os apetrechos fotográficos.
De repente, montar uma bike não é apenas uma questão de diversão e lazer; é também sobre como tal atividade vai aparecer em uma foto. Diários não são apenas páginas de pensamentos íntimos; são potenciais stories (odeio) do Instagram, páginas "estéticas", cheias de adesivos e caligrafia perfeita.
Isso vai além da mera vaidade; está realmente mudando a forma como vivenciamos esses hobbies. Quando nos concentramos mais na aparência final do nosso trabalho do que na diversão que tivemos ao realizá-lo, a criação passa a existir mais na tela do que no momento presente. Nossa satisfação pessoal com a tarefa compete com a pressão de torná-la visualmente atraente.
É uma troca interessante. Por um lado, a estética pode inspirar a criatividade, permitindo-nos brincar com cores, padrões e estilos que talvez não experimentássemos por conta própria. Mas, por outro lado, a pressão para executar uma versão impecável do nosso hobby elimina o conforto original, o espaço para sermos imperfeitos e fazermos as coisas puramente para nós mesmos.
Então, quando foi que os hobbies começaram a parecer melhores do que realmente eram? E o que acontece quando a busca pela imagem perfeita supera o simples prazer de praticá-los?
Os hobbies sempre foram pessoais, mas agora existe uma hierarquia social em torno deles. Algumas atividades são consideradas "legais", outras não. Basta navegar pelo Instagram para perceber quais hobbies são "legais e descolados".
Essa hierarquia tem a ver com visibilidade e validação. Os hobbies que ficam bem em fotos e vídeos se tornam moedas de troca culturais. Mas o fator "legal" vem acompanhado de coisas como a pressão para acompanhar as tendências, para ter os materiais mais modernos, os designs mais elaborados.
O que se perde nessa névoa é a alegria genuína que nos atraiu para esses hobbies em primeiro lugar. Quando os hobbies se tornam símbolos de status, seu valor se transforma de realização pessoal em capital social. E agora, quando quero fazer algo apenas por diversão, me sinto rebelde.
Hobbies divertidos estão cada vez mais entrelaçados com o empreendedorismo. A linha que separa hobby de renda extra se torna tênue quando cada coisa que você faz para se divertir vem acompanhada da pergunta:
- "Será que eu conseguiria vender isso? Esse conteúdo é bom?"
Agora, as atividades íntimas que praticávamos em nossos hobbies se transformam em uma performance voltada para curtidas, seguidores e potenciais clientes.
Essa é uma faca de dois gumes. Transformar uma paixão em lucro pode, sem dúvida, proporcionar novas oportunidades e um senso de propósito. Mas também pode roubar a alegria do processo e substituí-la por prazos, expectativas e esgotamento.
Essa monetização também muda a forma como encaramos esses hobbies mentalmente. Quando escrever um artigo do MDig se tornar apenas "conteúdo", os erros não são lições; são fracassos.
Mas a atração é forte. A ideia de construir um negócio em torno de algo que você ama é tentadora, especialmente quando as carreiras tradicionais podem parecer extremamente desinteressantes.
As redes sociais mostram muitas dessas histórias de sucesso, mas não mostram quando elas fracassam, sofrem de burnout ou simplesmente começam a odiar um hobby que antes amavam.
Para mim, os livros sempre foram uma jornada pessoal, que fiz sozinha e no meu próprio ritmo. Mas nas redes sociais, as listas de livros se transformaram em uma forma de exibir bom gosto intelectual ou capital social. Não se trata mais do que você leu ou se gostou, mas sim de quantos livros você consegue ler em um ano. Faz você se sentir menos como um leitor e mais como um competidor em uma corrida literária.
Hoje em dia leio mais livros técnicos porque são mais fáceis de encontrar em arquivos PDF. Também sei quase todas as bulas dos meus remédios na farmacinha do banheiro.
Mas não acho que o problema seja que os hobbies mudaram, e sim o mundo ao redor deles. Em vez de serem apreciados em particular, são praticados em público. E não é que a alegria tenha desaparecido completamente, mas é difícil senti-la quando está distorcida pela competitividade e pela comparação.
Em um mundo que transforma tudo em conteúdo, a coisa mais radical que você pode fazer é desfrutar das coisas em privado.
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