![]() | Medir a felicidade é, em sua essência, uma tarefa impossível. Pergunte a 100 pessoas o que felicidade significa e você terá 100 respostas diferentes. Provavelmente existem mais palavras para felicidade do que idiomas na Terra. No Ocidente, especialmente nas últimas décadas marcadas pela cultura da terapia, a felicidade passou a ser entendida como um sentimento: uma pessoa feliz se sente bem, sorri e ri, suavemente ou alto, aproveita a vida. Como em um comercial de cerveja. |

Mas esse não é o tipo de felicidade que o Relatório Mundial da Felicidade mede. O ranking do Relatório Mundial da Felicidade é baseado em uma única pergunta. A palavra “felicidade” nem aparece na pergunta.
A pergunta mede algo que os pesquisadores chamam de “satisfação com a vida”. Em outras palavras, como as pessoas avaliam suas vidas, racionalmente, de uma perspectiva considerada. Felicidade como produto do pensamento. A Finlândia liderou esse ranking nos últimos oito anos, seguida em 2025 por Dinamarca, Islândia, Suécia e Holanda.
Os pesquisadores por trás do Relatório Mundial da Felicidade têm outra métrica possível, embora não seja usada para o ranking principal: o que eles chamam de “afeto positivo”. Isso mede a felicidade como um sentimento. As pessoas são questionadas com que frequência riram, se sentiram felizes ou tiveram uma experiência agradável no dia anterior.
Se você classificar os países por essa medida, a lista muda. A Finlândia cai para o 25º lugar. De repente, países como Senegal, Guatemala, Panamá, Indonésia e Paraguai sobem para o topo.
Então, a Finlândia não é realmente o país mais feliz do mundo: é o mais satisfeito, o que é bem diferente. E talvez isso explique por que muitos finlandeses acham o Relatório Mundial da Felicidade confuso. Eles podem rir da ideia de felicidade, mas ninguém diz que eles estão indo mal.
Pese que a Finlândia seja hoje um exemplo de desenvolvimento, ao mesmo tempo deve lidar com as mais altas taxas de suicídios, homicídios, e violência de gênero, vinculados ao excessivo consumo de álcool entre a população europeia.
Como os finlandeses podem ser felizes vivendo em um inverno gelado, que decorre lentamente, com temperaturas mínimas de 30 graus abaixo de zero, quando, às vezes, não há luz do sol durante 51 dias?
O que faz as pessoas se sentirem bem, se sentirem felizes, sorrirem ou rirem, no entanto, é outra coisa.
Se a pesquisa sobre felicidade revelou uma verdade, é esta: os relacionamentos são essenciais para o bem-estar. Riqueza, carreiras, retiros de ioga, nada disso gera sentimentos positivos com a mesma confiabilidade que a conexão humana.
Uma conversa no caixa do supermercado, um gesto gentil de um estranho, um fim de semana com amigos. Mas a comunidade não tem o mesmo peso em todos os lugares. Os países onde as pessoas vivem em famílias maiores ou costumam comer juntas se saem melhor nessa frente.
A Finlândia, no entanto, tem um dos menores tamanhos de família: Em média, duas pessoas moram juntas. No Brasil, são quatro. As pessoas na Finlândia raramente comem em grandes grupos. Estranhos raramente se ajudam, mesmo que haja um alto nível de confiança na sociedade. A vida gira em torno da família nuclear, se você tiver uma.
No seguinte vídeo, que remete a um drama brega chato, o repórter Guilherme Becker da DW Brasil mostra que muitos brasileiros na Finlândia vivem em um cenário de silêncio intenso, relações sociais raras, invernos longos e escuros e um tipo de solidão que se instala mesmo quando a conta bancária e a segurança parecem sob controle.
A narrativa oficial fala de um país com segurança, igualdade, saúde pública universal, educação gratuita e uma rede de proteção social forte, capaz de garantir uma vida simples, porém digna, em contato permanente com a natureza.
Para muitos brasileiros na Finlândia, contudo, essa base segura convive com um cotidiano de paisagens cinzentas, poucas pessoas na rua, silêncio quase absoluto e uma vida social contida, distante da sociabilidade ruidosa e espontânea do Brasil.
A Organização Mundial da Saúde classifica a solidão como um problema de saúde pública, estimando que uma em cada seis pessoas no mundo se considera solitária, com impactos diretos sobre doenças cardiovasculares, acidentes vasculares cerebrais e declínio cognitivo.
Mas por que se concentrar na solidão quando você pode "ser feliz", né? Ou mesmo o mais feliz? Comparado à felicidade, o contentamento pode soar como uma versão diluída: bom, mas não ótimo. E talvez seja exatamente aqui que os finlandeses têm algo a nos ensinar, algo sobre o modo de vida finlandês.
Por muito tempo, a vida na Finlândia foi simples e dura. Até a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos finlandeses vivia no campo, muitas vezes sem água encanada, trabalhando em terras difíceis, pescando ou cortando árvores. Uma característica é frequentemente associada ao povo finlandês: eles chamam de sisu. Significa aproximadamente coragem, perseverança e trabalho duro. Após a guerra, nas décadas de 1960, 70 e 80, as condições de vida melhoraram rapidamente, mais rápido do que em muitos outros países nórdicos.
Hoje, os finlandeses desfrutam de um alto padrão de vida, mas o sisu permaneceu com eles. Eles ainda são vistos como modestos, tão antissociais e antipáticos quanto os curitibanos, com os pés no chão, resilientes e emocionalmente estáveis, uma imagem apoiada por vários estudos.
E talvez ser despretensioso também signifique não perseguir a felicidade de forma alguma. Deixando-a ir.
Seja como for, após ler o próximo artigo do MDig você poderá concluir (ou não) que estes rankings servem mais ao princípio de vender o norte da Europa como paraíso do que qualquer outra coisa. A história do sisu, por exemplo reapáreceu a pouco tempo quando as pessoas começaram a questionar este "país tão feliz".
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