A autoridade esportiva do Sri Lanka tem um problema complicado. Seus atletas continuam desaparecendo. Eles vão para o exterior para participar de eventos esportivos e logo fogem. Normalmente, eles vão para a Itália, onde acabam ganhando uma segunda chance trabalhando em lojas de departamentos. Na verdade, a fuga do atletismo durante os torneios internacionais é um problema tão grande para o país que eles cunharam um termo: "abandonar o acampamento". |
Fotograma do filme italiano "Machan, o Jogo dos Sonhos", de 2008.
Durante um evento esportivo de 1993 no Canadá, apenas um dos 11 membros da equipe do Sri Lanka voltou para casa. O resto, incluindo vários membros da Federação de Wrestling, simplesmente desapareceu. Em 2007, um treinador de salto triplo que participava de um treinamento internacional patrocinado pelo Conselho Olímpico Internacional desapareceu na Itália.
Durante os Jogos Asiáticos de 2014 na Coreia do Sul, um jogador de hóquei e um jogador de vôlei de praia desapareceram. Mas um dos casos mais infames de "abandono de acampamento" aconteceu em 2004, quando toda a equipe de handebol do Sri Lanka desapareceu na Alemanha.
Em 2003, o Programa de Intercâmbio Esportivo Alemão-Asiático (AGSEP), uma organização que realiza eventos esportivos e intercâmbios internacionais entre equipes esportivas do Sri Lanka e europeias, recebeu um telefonema de um diretor do Ministério do Esporte do Sri Lanka sobre a criação de um torneio de handebol com a seleção alemã.
O handebol raramente é jogado no Sri Lanka, então o Ministério dos Esportes do Sri Lanka contratou um técnico de handebol chamado Athula Wijenayaka para treinar os homens e formar uma equipe.
No início, a seleção alemã de handebol viria ao Sri Lanka para um amistoso em Minuwangoda, uma cidade no lado oeste da ilha. Em seguida, a equipe do Sri Lanka voaria para a Alemanha, para um torneio de 10 partidas. Wijenayaka teve apenas algumas semanas para preparar os jogadores para o amistoso com os alemães.
Os treinos eram realizados algumas vezes por semana, onde os jogadores aprendiam o básico. Nenhum deles tinha experiência em handebol, mas não era necessário ter domínio do jogo. Eles só precisavam parecer que sabiam o que estavam fazendo.
Chandana, de 28 anos, ouviu falar do esquema pela primeira vez em 2002, por meio de seu irmão mais velho, que já morava na Itália. Seu irmão prometeu pagar as despesas para levar Chandana para a Itália. Assim que Chandana encontrasse um emprego, ele deveria pagar seu irmão de volta.
Seleção alemã de handebol disputa um amistoso com a equipe anfitriã do Sri Lanka.
Por enquanto, tudo o que ele precisava fazer era aprender a jogar handebol. Chandana nunca tinha jogado handebol antes, mas jogava vôlei no colégio. Por isso, não demorou muito para aprender o básico: dois tempos de 30 minutos, um jogador pode correr três passos sem quicar a bola no chão e fazer gols. Isso era tudo que Chandana conseguia se lembrar.
Na partida de exibição, a seleção alemã de handebol derrotou a equipe anfitriã por 36 a 2. Apesar do desempenho patético, Dietmar Doering, o fundador da AGSEP, e os dirigentes alemães convidaram a seleção do Sri Lanka à Alemanha para um torneio de handebol.
Algumas semanas depois, a equipe de 23 membros do Sri Lanka chegou a Wittislingen, uma cidade no sul da Alemanha. Naquela tarde, antes do início do torneio, a equipe foi passear. Conheceram o prefeito da cidade, tiraram fotos e jantaram com seus colegas alemães.
- "Cantamos, dançamos e nos divertimos muito", disse Rupasinghe, de 23 anos.
No primeiro jogo, o time "levaram uma surra novamente". Desta vez, os cingaleses não marcaram um único gol.
Seleção alemã de handebol disputa um amistoso com a equipe anfitriã do Sri Lanka.
Naquela noite, os alemães receberam os cingaleses para outro jantar e, mais uma vez, eles cantaram juntos e celebraram a noite.
- "Nós nos divertimos muito neste lugar", disse Rupasinghe. - "Fiquei um pouco triste, pois todos planejávamos ir no dia seguinte, bem cedo pela manhã."
Às 5h da manhã, pouco antes do amanhecer, a equipe saiu de seus quartos de hotel, levando consigo apenas algumas roupas e outros itens de necessidades básicas. Eles deixaram um bilhete agradecendo aos alemães por sua hospitalidade. "Estamos indo para a França", dizia. Na verdade, todos iam para a Itália.
- "Sabíamos por nossos parentes e amigos que, assim que chegássemos à Itália, não havia como nos mandarem de volta", disse Chandana. - "Os italianos são muito amigáveis e gostam que trabalhemos nos seus restaurantes. Os cingaleses na Itália não têm problemas com a polícia. Não estamos envolvidos com drogas ou qualquer outra atividade criminosa."
A mídia imediatamente começou a questionar: Será que Doering é o cérebro por trás do ato de desaparecimento? A Fox News chegou a sugerir que o time de handebol estava cheio de terroristas tamil que haviam sido contrabandeados para a Alemanha.
O bilhete deixado pelo desaparecido time de handebol.
Quando os meios de comunicação ligaram para o Ministério do Esporte do Sri Lanka, eles responderam dizendo que o handebol raramente era jogado no Sri Lanka e que a formação de uma seleção nacional era um mistério.
- "Nós nem mesmo temos um único clube", disse Hemasiri Fernando, presidente da Associação Olímpica do Sri Lanka. Doering, por sua vez, ficou extremamente decepcionado com o incidente.
- "Esta será a última vez que faremos isso. Não estou planejando convidar mais equipes do Sri Lanka", disse ele. Ele não poderia, mesmo que quisesse, pois logo após o incidente, a embaixada alemã proibiu a AGSEP de participar de eventos esportivos no país novamente. - "Depois disso, nenhuma equipe recebeu mais vistos. Esse é o lado triste de tudo", lamentou Doering.
Em uma década, mais da metade dos 23 jogadores de handebol do Sri Lanka voltou para casa.
- "Voltei depois de seis meses", diz Chandana. - "Meu filho estava doente. Senti saudades de casa. Não consegui encontrar um emprego, embora tenha sido prometido. Escrevi uma carta ao Sr. Doering e pedi perdão."
Rupasinghe trabalhou em uma pizzaria como preparador de massa por quatro anos, antes de retornar ao Sri Lanka. Nesses quatro anos, ele ganhou um bom dinheiro e regularmente mandava parte de seu contracheque para sua família no Sri Lanka, onde acabou abrindo uma pizzaria.
Embora Doering tenha ficado chateado no início, com o passar dos anos ele começou a entender por que os jogadores faziam aquilo. Era por necessidade. Cada um dos homens da equipe apoiava uma média de cinco a dez membros da família no Sri Lanka. E todos esses jogadores mandavam dinheiro para suas famílias, todos os meses.
Para eles, então, estavam jogando um jogo muito mais importante do que uma partida de handebol, era um jogo de sobrevivência.
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