O mar traz todos os tipos de coisas estranhas, de carcaças de baleias e lulas a fósseis e naufrágios antigos. Mas nada é tão precioso quanto o âmbar-cinza, uma substância dura, semelhante a resina, com um tom cinza-claro ou amarelo e com um aroma agradável. Por milhares de anos, o âmbar-cinza foi básico em perfumes. Os antigos egípcios queimavam a substância como incenso, e os egípcios modernos fumam a substância, que também já foi usada para dar sabor a comida e bebida. Uma porção de ovos e âmbar-cinza era supostamente o prato favorito do rei Carlos II da Inglaterra. |
O âmbar-cinza também é usado como agente aromatizante no café turco e os europeus do século XVIII o bebiam com chocolate quente. Durante a Idade Média, o âmbar-cinza era usado como medicamento para dores de cabeça, resfriados, epilepsia e outras doenças.
Apesar de sua ampla aplicação, durante séculos ninguém sabia de onde vinha essa rara substância cerosa, exceto que ela chegava às praias. Os antigos chineses achavam que era cuspe de dragão. Outros acreditavam que era cocô de aves marinhas, ou algum tipo de fungo marinho.
Um inglês afirmou com confiança que não eram nada além de favos de mel que as abelhas faziam em grandes rochas à beira-mar, que depois caíam no mar. Precisamos chegar até 1724 para que o médico de Boston Zabdiel Boylston finalmente descobrisse a verdade. Âmbar-cinza é caca de baleia (ou vômito).
O âmbar-cinza é formado no trato intestinal de cachalotes. Como as baleias consomem grandes quantidades de lulas e chocos, que têm bicos duros e afiados, especula-se que a baleia segrega uma substância protetora e gordurosa que engole os bicos duros e indigestos para evitar que machuquem suas entranhas e órgãos.
A substância é então expelida do corpo, embora os pesquisadores não tenham certeza de qual lado da baleia a bolha de âmbar saia. O especialista em cachalotes Hal Whitehead, da Universidade de Dalhousie, na província da Nova Escócia no Canadá, suspeita que a substância seja defecada.
Quando é liberado das entranhas, o âmbar-cinza é de cor branca pálida, macio e gorduroso com um forte cheiro fecal. A massa flutua até a superfície do oceano onde, exposta ao sol e à água salgada, vai endurecendo gradativamente, desenvolvendo uma cor cinza escura ou preta, uma textura crocante e cerosa e um odor peculiar que é ao mesmo tempo doce, terroso marinho e animalesco. Quanto mais tempo o âmbar permanece no mar, mais incorpora os aromas do mar.
Eventualmente, os caroços chegam à praia, onde são coletados e vendidos por preços bem altos. Em 2019 um morador de Songkhla, na Tailândia, encontrou uma peça de 17 quilos que foi vendida por mais de 3,5 milhões de reais (vídeo abaixo). Já no ano passado, outra tailandesa da província de Nakhon encontrou um fragmento de 7 quilos avaliado em 1,5 milhões de reais. O alto preço se deve à raridade da substância, já que apenas cerca de 1% dos estimados 350.000 cachalotes do mundo produzem âmbar-cinza.
De acordo com Christopher Kemp, autor de "Ouro flutuante: uma história natural (e não natural) do âmbar cinza", muitos colecionadores procuram carcaças de baleias em vez de esperar que um caroço chegue à praia.
Christopher conta uma história sobre um pescador da Tasmânia que supostamente, ao encontrar uma carcaça de baleia na costa em 1891, cortou um buraco em seu pescoço grande o suficiente para caber e depois rastejou para dentro da baleia, se contorcendo em seus intestinos em busca de um pedregulho de âmbar-cinza que estava alojado ali.
O âmbar-cinza geralmente vem em pequenos pedaços de menos de 15 gramas até 50 kg, mas um peça encontrada nas Índias Orientais Holandesas pesava cerca de 635 kg.
O âmbar-cinza é difícil de identificar. Um teste pode ser feito espetando-o com uma agulha quente e um líquido deve escorrer, exalando um cheiro almiscarado. É esse cheiro que cativou a indústria de perfumes. Mas até o cheiro é difícil de descrever.
- "Quando você finalmente segura um pedaço dele e cheira, sente um estranho odor de buquê de flores, madeira velha, terra, composto e esterco, e de lugares abertos. Nesse momento você entende que nenhuma das outras coisas que você suspeitava ser âmbar-cinza era parecida com isso", disse Christopher.
- "Minhas primeiras impressões do perfume foram que era levemente ceroso, vagamente marinho, doce e um pouquinho fecal", lembra Saskia Wilson-Brown, do Instituto de Arte e Olfato. - "Foi um pouco decepcionante, para ser honesto, não correspondeu ao hype. Mas é muito melhor na pele, eu aprendi. O cheiro, na pele, é sutil e de alguma forma radiante. É notável, é puro e é super sexy."
A escassez de âmbar-cinza e sua qualidade variável levaram à busca de uma alternativa. Desde a década de 1940, os químicos sintetizaram compostos como ambrox e cetalox que imitam o âmbar-cinza. Em 2012, pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica identificaram um gene em abetos de bálsamo que produz um composto que tem um cheiro semelhante de âmbar-cinza. Mas nem todos estão tão entusiasmados.
- "É como assistir a uma banda cover dos Beatles em vez de assistir a coisa real", disse Christopher. - "Chega perto, mas falta algo indefinidamente importante."
Christopher acredita que muitas grandes casas de perfumes ainda compram âmbar-cinza real, mas Saskia Wilson-Brown discorda.
- "Sinceramente, duvido que muitas pessoas usem âmbar-cinza real, muito menos casas de perfume! A cadeia de suprimentos não é confiável demais para que os grandes dependam dela."
No entanto, alguém os está comprando por uma quantia exorbitante e Christopher não tem certeza de quem são os compradores.
- "Não faço ideia para onde vai a maior parte do âmbar-cinza", confessa ele. - "Custa US$ 10.000 o quilo. E as pessoas estão dispostas a gastar tanto dinheiro com isso. Mas depois desaparece novamente. Na maioria das vezes, acho que ainda é usado principalmente em fragrâncias, mas também é queimado em cerimônias religiosas e provavelmente consumido na Ásia, como uma espécie de remédio de ervas."
Em 2021, uma equipe de 35 pescadores do Golfo de Aden, na costa do Iêmen, transportava a carcaça de um cachalote, quando sentiu um forte cheiro de fecal marinho. Eles desconfiaram que poderia haver âmbar-cinza no estômago da baleia, e quando a abriram encontraram uma amostra de 127 quilos.
A peça foi vendida para um comprador anônimo dos Emirados Árabes Unidos por mais de 7,5 milhões de reais. Eles dividiram os lucros igualmente e vários membros da tripulação de pesca compraram novas casas, carros e barcos com a colheita de vômito de baleia.
- "O cheiro não era muito bom, mas valia muito dinheiro", disse um dos pescadores.
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