Um dos mal-entendidos mais freqüentes em discussões sobre ciência e pseudociência é aquele produzido quando uma parte -geralmente a que defende a pseudociência- afirma que a ciência não carrega a Verdade Absoluta, e que deveria abrir seus olhos às pseudociências que talvez algum dia atinjam o status de ciência. Esta crítica é tão comum quanto errônea. A ciência não se autoproclama como Verdade, senão como um modelo que funciona a fim de fazer pequenas aproximações à verdade. |
Em consequência, nenhum cientista do mundo -a não ser que seja um cientista mau-caráter- afirmará que seus postulados são verdadeiros e inquestionáveis, senão que constituem o melhor modelo explicativo do que dispõe. Assim que alguém oferecer um modelo melhor -incluídos os que professa qualquer pseudociência-, este substituirá àquele. Sem maiores problemas. Mas, claro, antes o postulante deverá demonstrar que é melhor.
Até então, a verdade, assim em minúsculas, é o que afirma a ciência oficial, conforme explicado por Neil Gershenfeld, físico e diretor do Centro de Estudo dos Bits e Átomos do MIT no livro editado por John Brockman, "This Will Make You Smarter":
"Kepler, que assumia a geometria baseada nos poliedros platônicos para explicar os movimentos observáveis dos planetas, conseguiu fazer predições muito exatas, que melhoraram ao enunciar as leis do movimento planetário, aperfeiçoadas por sua vez pelas leis do movimento de Newton (leis que Einstein viria a refinar novamente ao enunciar a Teoria da Relatividade).
O fato de que Newton estivesse falando a verdade não determina que Kepler estava equivocado, do mesmo modo que também nem Newton deve ser descartado pelo fato de que Einstein tenha melhorado: estes modelos sucessivos diferem em virtude de seus pressupostos, de sua precisão e de sua aplicabilidade, mas não por que eram mais ou menos verazes."
Em outras palavras: a incerteza é inerente ao processo de descobrir o que ignoramos, e não uma debilidade que devemos evitar. Fazer descobertas não equivale a ganhar debates: eu tenho razão e você, não. Isso é coisa de gente pequena, o tipo de gente que promove debates pela Internet para saber quem é o "filósofo" mais fódão. Porque construir modelos é algo muito diferente de proclamar verdades.
Os problemas e os erros são violações das expectativas assumidas que representam oportunidades de aperfeiçoar essas mesmas expectativas. E as decisões devem ser tomadas ponderando os elementos que dão melhores resultados, não invocando uma sabedoria herdada, ou dando oportunidades para explicações miraculosas e sem sentido.
Indo um pouquinho mais além: resulta irônico que seja a pseudociência e não a ciência quem proclame de forma tácita guardar a Verdade Absoluta. Disto podemos inferir que uma forma simples de identificar uma ciência de uma pseudociência é a forma que seus princípios são postulados, se estão ou não abertos a discussão ou afirmam de forma rotunda que o que proclamam é a verdade e sem possibilidade de ser falso.
Um exemplo? A homeopatia assegura que a premissa "similia similibus curantur" é um axioma, e como tal não está aberta a discussão. Desta maneira, toda pesquisa, toda compilação de conhecimentos girará em torno desse suposto, e não haverá possibilidade de deduzir nenhuma coisa diferente disso.
Como resultado se um homeopata quisesse rebater essa premissa estaria pondo em perigo sua identidade, já que estaria se arriscando chegar a conclusões diferentes das que se têm como verdadeiras.
E esta é uma maneira interessante de distinguir um cientista de um pseudo, o primeiro não tem medo de que suas "crenças" sejam desmanteladas -ao menos não deveria-, porque só o fato de que alguém possa "derrubar" um sistema de conhecimentos estabelecido pode significar um grande avanço científico. E cada avanço engloba tantos os erros quanto os acertos do anterior, ampliando os acertos. Quanto ao segundo... melhor nem falar sobre este tipo de gente, já que eles próprios têm o costume de falar muitas, em geral, bobagens que não podem ser verificadas. Porque a verdade é um modelo.
Assim, o método científico, desenvolvido ao longo de centenas de anos, trouxe conhecimento incalculável ao mundo e melhorou nossas vidas. De acordo com esse procedimento, as descobertas científicas devem ser testáveis, reprodutíveis e passíveis de crítica. Mas esse método é muitas vezes mal compreendido: algumas pessoas pensam que, se um cientista não acredita dogmaticamente em suas próprias descobertas, por que alguém deveria?
É assim que a pseudociência se apodera e as conspiranoias se espalham, pois aqueles que defendem uma certa teoria improvável o fazem com fervor e crença inquestionável. Adicione a mídia de notícias que tende a transformar as menores descobertas em algo emocionante, e você terá todo tipo de desinformação. É por isso que a ciência deve ser ensinada nas escolas, e não apenas fatos científicos, porque essas descobertas são feitas e depois construídas umas sobre as outras.
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