![]() | Em 1165, cópias de uma estranha carta começaram a circular pela Europa Ocidental. Ela falava de um reino fantástico, contendo a Torre de Babel e a Fonte da Juventude, todos governados pelo misterioso autor da carta: Preste João, cuja palavra "preste" não existe em português, derivando possivelmente de "presbítero". Os relatos eram frequentemente embelezados com vários tropos da fantasia popular medieval, retratando Preste João como um descendente dos Três Reis Magos, governando um reino cheio de riquezas, maravilhas e criaturas estranhas. |

Hoje, sabemos que esse rei extraordinário nunca existiu, mas a lenda desse reino mítico e de seu poderoso governante impactaria as decisões dos líderes europeus pelos próximos 400 anos.
O mito de Preste João impulsionaria a era das explorações, inspiraria a diplomacia intercontinental e, indiretamente, iniciaria uma guerra civil.
Embora sua gênese imediata não seja clara, oficialmente a origem da lenda do Preste João se origina de uma carta que o imperador bizantino Manuel I Comneno recebeu em 1165. O remetente era um tal "João, Soberano Cristão e Senhor dos Senhores".
A carta descrevia as terras riquíssimas deste monarca, localizadas na Ásia Central. O rei dizia viver em um imenso palácio feito de pedras preciosas e ouro e governava um vasto território que se estendia da Pérsia à China.
Por muitos anos, o mito do Preste João foi associado ao sonho de alcançar um reino suntuoso, onde todos os prazeres materiais fossem realizados e as pessoas vivessem na opulência.
Quando a carta de Preste João foi divulgada, a Europa estava envolvida nas Cruzadas. Nessa série de guerras religiosas, os europeus fizeram campanha para tomar o que consideravam a Terra Santa cristã.
A Igreja difamava qualquer fé fora do cristianismo, incluindo a das comunidades judaica e muçulmana que povoavam a região.
Os cruzados estavam ansiosos para encontrar reinos cristãos que servissem como aliados em sua guerra. E estavam particularmente interessados nos rumores de um poderoso rei cristão que havia derrotado um enorme exército muçulmano no Extremo Oriente.
Na verdade, foi uma horda mongol, incluindo tribos cristãs convertidas, que derrotou o exército. Mas as notícias dessa vitória não eram confiáveis.
Comerciantes e emissários preencheram lacunas na história com poemas épicos e fragmentos bíblicos, e quando a história chegou à Europa, a horda mongol havia sido substituída por um grande exército cristão, comandado por um rei que compartilhava a visão dos cruzados de marchar sobre Jerusalém.
E quando uma carta supostamente escrita por esse chamado "Preste João" apareceu, os governantes europeus ficaram entusiasmados.
Embora o verdadeiro autor da carta permaneça desconhecido, seus estereótipos sobre o Oriente e seu alinhamento com os objetivos europeus indicam que se tratava de uma falsificação ocidental.
Mas, apesar das origens óbvias da carta como propaganda europeia, o apelo do mito do Preste João era grande demais para os cruzados ignorarem. Em pouco tempo, os cartógrafos europeus estavam adivinhando a localização de seu reino mítico.
A princípio, imaginou-se que o Preste João residisse na Índia. Histórias sobre o sucesso evangelístico dos cristãos nestorianos no país e sobre as viagens subcontinentais do Apóstolo Tomé, documentadas em obras como os "Atos de Tomé, provavelmente forneceram as primeiras sementes da lenda.
Nos séculos XIII e XIV, missionários europeus seguiram para o Oriente, ao longo da recém-revivida Rota da Seda. Eles não estavam procurando o autor da carta, que teria mais de um século de idade; mas sim seus descendentes.
O título de Preste João foi brevemente identificado com vários governantes da Ásia Central, mas logo ficou claro que os mongóis eram em grande parte não cristãos.
E à medida que seu Império começou a declinar, os europeus começaram a buscar rotas alternativas para o Extremo Oriente e novas pistas sobre a localização do Preste João.
Ao mesmo tempo em que esses exploradores iam para o sul, peregrinos etíopes começaram a viajar para o norte. Em Roma, esses visitantes rapidamente atraíram o interesse de estudiosos e cartógrafos europeus.
Como a Etiópia havia sido convertida ao cristianismo no século IV, as histórias de sua terra natal africana se encaixavam perfeitamente na lenda do Preste João.
Exploradores portugueses vasculharam a África em busca do reino, até que uma mistura de confusão e diplomacia finalmente transformou o mito em realidade.
Os etíopes receberam graciosamente seus convidados europeus, que estavam ansiosos para fazer negócios com o governante que acreditavam ser o Preste João.
Embora os etíopes tenham ficado inicialmente confusos com o nome incomum dado pelos portugueses ao seu imperador, eles foram espertos o suficiente para reconhecer o capital diplomático que isso lhes proporcionava.
Os diplomatas etíopes desempenharam o papel de súditos do Preste João, e os portugueses anunciaram triunfantemente uma aliança com o lendário soberano, mais de 350 anos após a carta europeia ter iniciado a busca. Mas essa parceria tão esperada foi rapidamente testada.
Uma década depois, o Sultanato de Adal, uma potência regional apoiada pelo Império Otomano, invadiu a Etiópia. Os portugueses enviaram tropas que ajudaram os etíopes a vencer o conflito.
Mas, a essa altura, estava claro que a Etiópia não era o poderoso aliado que a Europa esperava. Pior ainda, a Igreja Católica Romana, cada vez mais intolerante, passou a considerar a seita etíope do cristianismo herética.
Suas tentativas subsequentes de converter as pessoas que antes reverenciavam como cristãos ideais acabariam por desencadear uma guerra civil e, na década de 1630, a Etiópia cortou laços com a Europa.
Acadêmicos do século XVII, como o orientalista alemão Hiob Ludolf, demonstraram que não havia nenhuma conexão nativa real entre o Preste João e os monarcas etíopes, e a busca pelo lendário rei cessou gradualmente.
Mas a lenda afetou centenas de anos da história europeia e mundial, direta e indiretamente, encorajando exploradores, missionários, acadêmicos e caçadores de tesouros da Europa.
Ao longo dos dois séculos seguintes, a lenda do Preste João lentamente caiu no esquecimento, encerrando o reinado de um rei que fez história apesar de nunca ter existido.
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