![]() | Em 1909, a Expedição Nimrod,a primeira de três expedições à Antártida lideradas por Ernest Shackleton estava em apuros. A equipe havia estabelecido o recorde de ponto mais ao sul já alcançado, que era seu principal objetivo, além da pesquisa geográfica e científica. Mas, após calcular mal o tempo necessário para retornar ao depósito de suprimentos mais próximo, a tripulação ficou sem comida. Exaustos e desesperados, recorreram ao kit médico. |

Ele continha um medicamento chamado "Comprimidos da Marcha Forçada", que prometia aliviar a fome e prolongar a resistência, graças à poderosa combinação de seus dois ingredientes: cocaína e extrato da noz-de-cola africana, conhecida na África como mukezu.
Após ingerir os comprimidos, a equipe conseguiu seguir em frente e chegar em segurança. Mas como a noz de cola, um ingrediente sagrado da África Ocidental, foi parar no kit de emergência de Ernest? E como essa mesma combinação de noz-de-cola e cocaína foi parar na receita original de uma bebida que bilhões de pessoas consomem todos os dias?
A noz-de-cola é a semente da árvore de cola, uma pequena árvore perene nativa das florestas tropicais da África Ocidental, onde há muito tempo faz parte integrante do tecido cultural de muitas comunidades.
Entre os Igbo, a noz amarga é conhecida como o alimento dos deuses. Nas casas Igbo, é costume cumprimentar e honrar os convidados quebrando uma semente e compartilhando as sementes.
Nas comunidades Iorubá, o mukezu desempenha um papel central em muitas cerimônias religiosas, como casamentos, funerais e adivinhação.
As nozes-de-cola podem conter até 2,5% de cafeína, ou cerca do dobro da concentração encontrada nos grãos de café, juntamente com traços de teobromina, um composto estruturalmente semelhante encontrado no cacau.
Ambas as moléculas estimulam o sistema nervoso central, causando efeitos como estado de alerta e aumento do fluxo sanguíneo para os músculos e pulmões. E são essas propriedades que provavelmente levaram ao uso de longa data da noz-de-cola na medicina tradicional da África Ocidental.
Mas também há um lado amargo na história da noz-de-cola. Já no século X, ela era usada por vários grupos na África Ocidental como moeda para comprar escravos do outro lado do Saara.
E no século XVI, comerciantes portugueses e afro-portugueses da região trocavam as sementes por pessoas, que depois vendiam como escravos transatlânticos.
No século XVII, a noz-de-cola chegou às Américas. Narrativas orais brasileiras contam sobre pessoas escravizadas contrabandeando as sementes de abajá através do Atlântico em suas roupas e cabelos.
No século XIX, mulheres africanas libertas na Serra Leoa formaram uma importante diáspora comercial, transportando a noz por terra para a savana, dentro da África Ocidental e para a Europa.
Ao m,esmo tempo, estabeleceu-se um comércio de longa distância entre a África Ocidental e o Brasil, apoiando o uso da cola pelos afro-brasileiros.A noz-de-cola é
sagrada para diversas religiões de origem africana nas Américas, incluindo o Candomblé brasileiro, a Santería cubana e o culto aos Orisas em Granada-Trindade.
Os senhores de escravos que tomaram conhecimento das propriedades energizantes da noz frequentemente a usavam como arma, fornecendo-a aos trabalhadores subjugados para induzi-los a realizar trabalhos ainda mais extenuantes.
No entanto, em lugares como Jamaica, Cuba e Brasil, muitas comunidades escravizadas conseguiram cultivar a noz-de-cola por conta própria, o que lhes permitiu preservar e continuar praticando suas tradições culturais e religiosas.
No final do século XIX, a noz-de-cola chamou a atenção de farmacêuticos na Europa e na América do Norte. Muitos afirmavam, sem muitas evidências, que a noz continha inúmeras propriedades medicinais e até mesmo psicotrópicas.
Logo, tônicos, chocolates e pastilhas contendo noz-de-cola enchiam as prateleiras das farmácias. Ela foi combinada com extratos da folha de coca, a fonte da cocaína, para criar os comprimidos da "Marcha Forçada de Shackleton", que também foram fornecidos aos soldados britânicos durante a Primeira Guerra Mundial.
Em 1886, um farmacêutico americano, chamado John Pemberton, usou essa mesma combinação potente para criar a receita original da Coca-Cola, que, segundo ele, podia tratar doenças como dores de cabeça, indigestão e impotência.
Na década de 1920, a exportação africana da noz de cola diminuiu, em parte devido à introdução de outra semente energética da região: o cacau.
Por volta dessa época, diz-se que a Coca-Cola também reduziu significativamente a quantidade de noz-de-cola em sua receita, mas ninguém sabe ao certo pois os ingredientes exatos permanecem um segredo comercial bem guardado. No entanto, sabemos que a empresa removeu todos os vestígios de cocaína até 1903.
Hoje, a noz-de-cola ainda pode ser encontrada em diversas bebidas e suplementos, como o chá Bissy, um produto básico em muitos lares jamaicanos.
Acredita-se que tenha sido levado para a região pela primeira vez em navios negreiros no século XVII, e esse chá é apenas um exemplo de como a noz-de-cola, apesar de seu passado amargo, continua a servir como um poderoso símbolo de preservação e memória cultural.
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