![]() | Uma plataforma de classificados usou o mote "Desapega!" em uma de suas campanhas e deu lindamente errado. Primeiro, pelo fator psicológico de que verbos no imperativo podem ser percebidos como autoritários e impositivos e muitas pessoas não lidam muito bem com isso. Segundo porque o "apego" está forte e intrinsecamente relacionado com as natureza humana. Após testemunhar a ira de bebês sempre que privados de um item que consideravam seu, Jean Piaget, um dos fundadores da psicologia infantil, observou algo profundo sobre esta condição. |

Nosso senso de posse surge incrivelmente cedo. Por que somos tão apegados? Acontece que existe um fenômeno bem estabelecido na psicologia conhecido como efeito de dotação, segundo o qual valorizamos muito mais os itens assim que os possuímos.
Em uma demonstração famosa, estudantes tiveram que escolher entre uma caneca de café ou uma barra de chocolate suíço como recompensa por ajudarem em uma pesquisa.
Metade escolheu a caneca e a outra metade, o chocolate. Ou seja, eles pareciam valorizar as duas recompensas de forma semelhante.
Outros alunos receberam primeiro uma caneca e depois uma chance surpresa de trocá-la por uma barra de chocolate, mas apenas 11% aceitaram. Um outro grupo começou com chocolate, e a maioria preferiu ficar com ele em vez de trocá-lo. Em outras palavras, os alunos quase sempre atribuíram maior valor à recompensa inicial.
Parte disso tem a ver com a rapidez com que formamos conexões entre nosso senso de identidade e as coisas que consideramos nossas. Isso pode ser observado até mesmo no nível neural.
Em um experimento de 2012, neurocientistas escanearam os cérebros dos participantes enquanto eles alocavam vários objetos a uma cesta etiquetada como "minha" ou a outra etiquetada como "do Luisão".
Quando os participantes olharam para seus novos pertences posteriormente, seus cérebros mostraram mais atividade em uma região que geralmente se ativa sempre que pensamos em nós mesmos.
Outro motivo pelo qual somos tão apegados aos nossos pertences é que, desde jovens, acreditamos que eles têm uma essência única. Psicólogos demonstraram isso usando uma ilusão para convencer crianças de três a seis anos de idade de que haviam construído uma máquina copiadora, um dispositivo capaz de criar réplicas perfeitas de qualquer item.
Quando lhes foi oferecida a opção entre seu brinquedo favorito
ou uma cópia aparentemente exata, a maioria das crianças preferiu o original. Na verdade, muitas vezes ficavam horrorizadas com a perspectiva de levar uma cópia para casa.
Esse pensamento mágico sobre objetos não é algo que superamos com o tempo.Pelo contrário, persiste na vida adulta, tornando-se cada vez mais elaborado.
Por exemplo, considere o enorme valor atribuído a itens que pertenceram a celebridades. É como se os compradores acreditassem que os objetos que adquiriram estivessem de alguma forma imbuídos da essência de seus antigos donos famosos.
Por razões semelhantes, muitos de nós relutamos em nos "desapegar" de relíquias de família que nos ajudam a sentir uma conexão com entes queridos que já se foram.
Essas crenças podem até alterar nossa percepção do mundo físico e mudar nossas habilidades atléticas.
Participantes de um estudo recente foram informados de que estavam usando um taco de golfe que pertenceu ao campeão Ben Curtis.
Durante o experimento, eles perceberam o buraco como sendo cerca de um centímetro maior do que os participantes do grupo de controle que usavam um taco padrão e acertaram um pouco mais de tacadas.
Embora os sentimentos de posse surjam cedo na vida, a cultura também desempenha um papel. Por exemplo, descobriu-se recentemente que o povo Hadza, do norte da Tanzânia, que está isolado da cultura moderna, não apresenta o efeito de dotação.
Isso possivelmente ocorre porque eles vivem em uma sociedade igualitária onde quase tudo é compartilhado.
No outro extremo, às vezes nosso apego às nossas coisas pode ir longe demais.Parte da causa do transtorno de acumulação é um senso exagerado de responsabilidade e proteção em relação aos próprios pertences.
É por isso que pessoas com essa condição acham tão difícil jogar qualquer coisa fora. Na garagem tenho um armário com gavetas lotadas de bugigangas que nunca vou usar, as que também não tenho coragem de vender ou jogar fora.
"Armários e gavetas de bagunça" podem parecer inofensivos, até úteis, como locais temporários para guardar coisas. Mas esse hábito de deixar as coisas de lado "só por enquanto" também costuma aparecer em outras esferas de nosso cotidiano.
O que começa como uma conveniência de curto prazo pode silenciosamente se transformar em desorganização a longo prazo.
Temos períodos de teste gratuitos que nunca cancelamos, contas que deixamos de monitorar e decisões que adiamos até que se tornem problemas.
Para que não aconteça isso, classifico os itens das gavetas de forma recorrente, com as etiquetas "Só Meu", "Útil", "Necessário", "Inútil" e "Lixo", segundo o grau de importância.
A cada vistoria esvazio o Lixo e remanejo outros itens para lá. Dessa forma mantenho uma bagunça organizada e não me transformo em um acumulador compulsivo.
O que resta saber hoje é como a natureza da nossa relação com os nossos pertences irá mudar com o avanço das tecnologias digitais.
Muitos previram o fim dos livros, das fotos e da música físicos, mas, por enquanto, pelo menos, isso parece prematuro.
Talvez sempre haja algo singularmente gratificante em segurar um objeto em nossas mãos e chamá-lo de nosso.
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