![]() | Eu ia utilizar este artigo como epílogo do post anterior por ser muito pessoal, mas achei que meu pai mereceria tanto destaque quanto Yumeka Nakagawa. Ele era um músico frustrado por ter abandonado a música para se dedicar a farmácia quando eu nasci, ou assim me diziam. Para descarregar sua amargura ele ia até a torre de um prédio abandonado no centro da cidade, que ficava a uma quadra de casa, todos os dias as 18:00, hora da Ave Maria, tocar "Ave Maria No Morro" de Herivelto Martins, no trompete. |

A cidadezinha é pequena e encravada no meio da Serra da Mantiqueira e quase todo mundo parava para ouvir e rezar enquanto Seu Sebastião tocava.
Por conta disso, um padre local tentou convencer meu pai que ele deveria tocar uma das "Aves Marias" religiosas. Ele não topou.
Meu pai era meu herói, me carregava para todo canto onde ia, sobretudo aos encontros musicais. Infelizmente, nossa convivência foi breve, pois ele morreu quando eu tinha 8 anos.
Vida que segue, fui morar com minha avó e anos mais tarde meu tio me deu um Tonante. Qual a primeira música que aprendi? "Ave Maria No Morro".
O problema é que, já com 12 ou 13 anos, a música despertava em mim respostas emocionais e neurológicas profundas, acessando memórias reprimidas e liberando sentimentos sufocados por meio da catarse e eu começava a chorar. Chorei agora ouvindo Zucchero.
Eu não sabia porque isso acontecia e tocava a música sempre sozinho. Somente com o tempo descobri que aquilo era uma poderosa combinação de química cerebral, história pessoal, saudade, sentimento de culpa por ter nascido e a estrutura musical que oferecia tanto alívio da dor quanto uma alegria silenciosa e profunda.
Hoje sabemos que música ativa áreas como a amígdala (emoção) e o núcleo accumbens (recompensa), associando o som a sentimentos intensos.
A antecipação e a resolução de padrões musicais (como tensão e relaxamento) acionam o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, ou seja, notas musicais.
A apojatura, uma nota específica que entra em conflito e depois se resolve, criando tensão e relaxamento, um mecanismo fundamental desata lágrimas emocionais.
Meu pai nunca me disse que dedicar-se a uma profissão, diferente da música, o deixou frustrado, mas isso era muito repetido por seus amigos e eu acabei acreditando.
Eu também abandonei a música, quando meus filhos nasceram, visando um mundo melhor para eles. A única coisa que pedi ao Cassiano, meu filho, quando começou a andar com teclado e violão debaixo do braço é que se formasse antes em uma "profissão normal". Ele se formou em Engenharia Eletrônica, me entregou o diploma e foi ser feliz fazendo o que gostava.
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