![]() | No período colonial escravagista de nosso país, quase todos os trabalhos manuais, que requeriam algum tipo de esforço físico, eram feitos por escravos. Ocorre a circunstância de que no idioma brasileiro trabalhos manuais são normalmente designados por palavras com sufixo "-eiro": carpinteiro, cozinheiro, faxineiro, ferreiro, marceneiro, pedreiro, sapateiro, entre outros, o que torna muito comum a utilização do sufixo de forma pejorativa e diminutiva. Por exemplo, quem tem motocicleta de alta cilindrada é motociclista. Se for "vida loka" cortando girlo em uma 125, motoqueiro. |

Quem toca violão clássico utilizando acordes que envolvem múltiplos trastes com cinco dedos (polegar no meio) é violonista, é chique. Quem toca quadradinhos em viola caipira, violeiro.
Assim, tudo aquilo que supostamente é desmerecedor de um gosto refinado acaba cunhado com "-eiro": funkeiro, maconheiro, pagodeiro, fofoqueiro...
Para nacionalidades, é muito comum utilizar os sufixos "-ano" ou "-ês", como português, francês, holandês, japonês, americano, australiano e mexicano, ente outras. Alguns não seguem nenhuma regra estrita, mas se você já passou algum tempo olhando para um mapa-múndi, provavelmente percebeu que muitos países terminam com a palavra "land", para designar "terra" de alguma coia ou lugar, por exemplo, Islândia é a "terra do gelo". Entre eles estão Alemanha, Escócia, Finlândia, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Islândia, Nova Zelândia, Polônia, Puntlândia. Somalilândia, Suíça e Tailândia.
Quem nasce na Índia, é indiano, não índio ou indígena. E aqui começa uma história romantizada, escrita por um péssimo redator, sobre alguém que saiu de Portugal para buscar especiarias nas Índias, errou o caminho e, por um acaso, descobriu o Brasil.
Primeiro, não se descobre um lugar que tem gente. O termo "descoberta", no contexto da colonização europeia, é uma narrativa eurocêntrica que ignora a presença de milhões de indígenas que habitavam essas terras por milhares de anos. O uso do termo é uma ferramenta utilizada para justificar a apropriação de terras e a subjugação e matança de populações nativas.
A perspectiva da "Era dos Descobrimentos" enquadra a história exclusivamente a partir de um ponto de vista europeu, onde terras desconhecidas eram consideradas "descobertas", negando efetivamente a existência e a soberania dos povos que já ali viviam.
O conceito de "descoberta" foi formalizado em doutrinas jurídicas e religiosas, como a Doutrina da Descoberta, que concedia aos monarcas cristãos europeus o direito de reivindicar soberania sobre terras e povos não cristãos e mastá-los no processo.
As viagens europeias não se resumiam à exploração, mas também à reivindicação de territórios, à extração de recursos e ao estabelecimento de impérios coloniais por meio da violência, da escravização e da conquista militar.
Segundo, a distância marítima em linha reta entre Portugal e o Brasil é de cerca de 7.500 km. Quem foi o asinino que errou sete mil e quinhentos quilômetros de uma viagem tão importante?
Esta história da possível rota entre a Europa e a Índia, navegando em direção ao oeste através do Oceano Atlântico, é muito mal contada, sobretudo porque Cristóvão Colombo alegou o mesmo em sua primeira viagem em 1492. Colombo pode contar com o benefício da dúvida, Cabral, não.
Terceiro, os portugueses tomaram posse de uma terra que tinha nome, Pindorama, palavra do tupi-guarani que significa "terra das palmeiras". Ademais, em 1500, a população de Pindorama, era de milhões de pessoas, cuja estimativa aponta frequentemente para cerca de 5 a 8 milhões de habitantes. Descobriu o que cara-pálida?
Mas nessa história com roteiro de filme "B" de ir para as Índias, chamaram as pessoas de Pindorama de "índio" e "indígena". Quem nasce na Índia é indiano, não índio, muito menos indígena. E no nosso vocabulário, essas palavras tinham formatos pejorativos, utilizados no período das colonizações, mas foram apagando e escondendo isso da história.
Vamos nos ater agora ao prefixo "in-", que geralmente significa negação, privação ou ausência de termos como incapaz, inativo, invisível, infiel, infeliz, incompetente e inconfidente. Esta última foi muito bem usada pelos portugueses para justificar e esquarteja o corpo de Tiradentes.
"Indígena" era "não gente" que faz um par perfeito com outra palavra do vocabulário: "indigente. E "índio" onde "in" indica ausência e "dio" Deus, "ausência de Deus", era um bom lembrete sobre como era necessário catequizar estas criaturas selvagens sem fé.
Chamar povos originários nativos dessa forma, era uma forma de roubar a identidade desses povos, além de eximir o colonizador de culpa. Afinal se não é gente, não tem alma, não há problema algum em escravizar ou matar.
Alguns desses nativos que habitavam Pindorama sabiam como cortar e, principalmente, "sangrar" pigmentos do pau-brasil. Criminosos exilados de Portugal, também aprenderam este ofício e começaram a controlá-lo. Quem fazia esse trabalho era chamado de brasileiro. O único gentílico do vocabulário português que termina em "-eiro".
Os criminosos banidos de Portugal, tentados a explorar as riquezas naturais daqui -o pau-brasil era super valorizado na Europa-, perverteram o comércio da madeira e do pigmento, transformando-o em um negócio sujo e por vezes ilegal. Por isso, ser chamado de "brasileiro" naquele período tinha um tom meio pejorativo, semelhante ao de um contrabandista ou traficante da atualidade.
O que reflete bem a herança deixada pelos portugueses é que outras nacionalidades e línguas não utilizam este gentílico. O italiano chama o brasileiro de brasiliano. Em inglês é brazilian, espanhol, brasileño, alemão, brasilianisch. É só no nosso vocabulário que a nossa nacionalidade termina em "-eiro".
Poderia ter mudado, ser brasiliano ou brasilês, mas em uma ordem cronológica, o Brasil se tornou o "quinto dos infernos". Quem sonegava impostos em Portugal, era mandado ao Brasil. Quem roubava em Portugal, era enviado ao Brasil. Tudo que não prestava era enviado para cá. E aí utilizou-se a palavra "brasileiro", uma denominação para povos originários escravizados cortando o pau-brasil, como nossa nacionalidade, e isso se manteve até hoje.
De fato, durante muito tempo, em Portugal, de forma informal e depreciativa, o termo "brasileiro" se referia a um português de caráter duvidoso (ou não) que viveu no Brasil e retornou com bens materiais.
Com o tempo e o desenvolvimento da colônia, o comércio do pau brasil perdeu importância e a palavra "brasileiro" passou a ser utilizada para designar os habitantes naturais do Brasil.
Frei Vicente do Salvador, no século 17, foi um dos primeiros a utilizar a palavra com o sentido de originário do Brasil.
É interessante notar que a palavra "brasileiro" como a designação de uma profissão é bastante incomum em comparação com outros gentílicos ao redor do mundo, o que confere a identidade brasileira uma história linguística particular e que nos lembra que todos nós brasileiros descendemos diretamente da escravidão, e que a designação de nossa nacionalidade nasceu da xenofobia colonialista. Independente de pigmentação da pele, espectro político, religião, quer queira, quer não, os primeiros brasileiros estavam escravizados há mais de quinhentos anos.
Aprender uma história real, não romantizada, do nosso passado, é a forma fácil de compreender o nosso presente. O Brasil é um país de tamanho continental e riquezas imensuráveis e não consegue caminhar para frente sem dar dois passos para trás.
A corrupção brasileira tem raízes profundas no período colonial português, com práticas como clientelismo, patrimonialismo e a confusão entre o público e o privado, que foram incorporadas e adaptadas no Brasil, criando um legado de tolerância à corrupção e à busca por enriquecimento rápido através de cargos públicos, algo que foi facilitado pela distância da Coroa e pela mentalidade de exploração colonial.
No entanto, é simplista culpar apenas Portugal, pois os brasileiros forjaram sua própria moralidade e práticas ao longo de séculos, tornando a corrupção um fenômeno profundamente enraizado na cultura e nas instituições nacionais.
Para piorar tiraram nossa identidade, nossa ancestralidade e nos dividiram de forma política, econômica, religiosa, regional, social, racial.
Hoje, devido a esta polarização idiota, basta zapearmos páginas das redes sociais para presenciar brasileiros brigando com brasileiros. Muitas vezes sem saber o motivo da briga e quando sabem, utilizam as justificativas mais banais, quando o ideal era lutar contra um sistema que vem escravizando o povo brasileiro em épocas e formas diferentes há mais de quinhentos anos.
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