Como um pastor tentou mudar os costumes 'depravados' da sociedade americana com um biscoito?

Era o início do século XIX, e o ministro presbiteriano Sylvester Graham acreditava que os americanos tinham um grande problema, não apenas com seus corpos, mas com suas almas. Ele argumentava que o excesso de indulgência estava alimentando seus desejos mais básicos, tornando-os imorais e hipersexuais. Para conter essa corrupção, Sylvester e seus colegas reformadores puritanos defendiam alimentos que acreditavam poderem conter uma variedade de apetites.

Após a Revolução Americana, coisas como o consumo excessivo de álcool foram cada vez mais percebidas como pragas na ordem social e na virtude cívica de uma nação em desenvolvimento.

O movimento cristão de temperança do século XIX encorajou a abstinência de álcool, levando eventualmente à Lei Seca federal nos Estados Unidos. Mas alguns ramos do movimento promoviam restrições ainda mais extremas, em todos os aspectos.

Esses reformadores tinham algumas áreas especiais de interesse, incluindo o sexo. De acordo com Sylvester, até mesmo o sexo conjugal divinamente ordenado poderia cair em território excessivamente prejudicial, se acontecesse mais de uma vez por mês.

E como certos filósofos do Iluminismo um século antes dele, Sylvester considerava o chamado vício solitário da masturbação ainda mais perigoso.

Ele alegava que ela inflamava o cérebro e esgotava a energia do corpo, causando desde distúrbios nervosos até crescimento atrofiado.

Para lidar com esse e outros problemas, Sylvester recomendou medidas que incluíam dormir bastante em colchões duros, tomar banho regularmente com água fria, e ar fresco mesmo em temperaturas congelantes.

Mas um de seus principais pontos de foco era a dieta. Ele achava que os americanos estavam consumindo comida e bebida decadente e saborosa demais, que desequilibravam seus corpos, enfraqueciam seu autocontrole e despertavam paixões não cristãs.

Então, para suprimir suas supostas libidos hiperativas, Sylvester defendia uma dieta vegetariana de grãos integrais, frutas e vegetais. E precisava ser sem graça, sem temperos que incitassem o prazer.

Sua contribuição marcante foi o pão Graham, o precursor do biscoito Graham, feito de farinha de trigo integral grossa.

Em sua defesa, podemos alegar que Sylvester Graham desprezava o descarte de nutrientes como gérmen e farelo ao fazer farinha para pão branco . Ele acreditava que usar todo o grão na moagem da farinha e no cozimento do pão era um remédio para a saúde precária de seus compatriotas americanos durante as mudanças na dieta causadas pela Revolução Industrial.

O biscoito Graham é pouco conhecido no Brasil e praticamente você vai encontrá-lo apenas em lojas de produtos naturais com o nome biscoito integral. Ele é feito com um tipo de farinha de trigo integral moída grosseiramente, que recebeu o nome Graham.

É semelhante à farinha de trigo integral convencional, pois ambas são feitas de grãos inteiros, mas a farinha de graham é moída mais grosseiramente.

Ele se assemelha a bolacha "Água e Sal", mas é adocicado e naturalmente é verdadeiro asco, já que segundo Sylvester, as pessoas não podiam sentir prazer ao se alimentar.

Ele compartilhou a receita sem nenhum custo, incentivando todos a assarem a sua própria bolacha. Era simples: bastava adicionar água ou leite, fermento e talvez uma pitada de sal, nada que pudesse superestimular os sentidos.

Posicionando-se como um defensor da saúde pública, Sylvester escreveu livros e realizou palestras públicas, alegando que sua dieta vegetariana até ajudaria pessoas a sobreviverem a um surto de cólera.

No entanto, nem todos estavam tão entusiasmados com sua mensagem moralizante e pratos de mau gosto, incluindo padeiros furiosos que protestavam do lado de fora de suas panificadoras.

O filósofo e estudioso transcendentalista Ralph Waldo Emerson lançou dúvidas sobre o fanatismo do movimento de Sylvester.

Diz-se que um repórter de um jornal de Massachusetts zombou de Sylvester como "filósofo do pudim de serragem". E um crítico indignado da dieta de Sylvester disse que ela consistia em "sobras, restos de amido e água de lavar louça".

Mas Sylvester também inspirou seguidores fervorosos, que ficaram conhecidos como grahamitas, pois o foco de Sylvester na saúde digestiva atraía figuras como o nutricionista James Jackson, que administrava um spa de saúde no interior do estado de Nova York.

Por volta de 1863, James começou a assar bolos vegetarianos de farinha de Graham esfarelados e granulados com gosto duvidoso, transformando-os em um cereal que ele chamou de Granula.

E, na década de 1890, John Harvey Kellogg, chefe de outro spa de saúde, desenvolveu flocos de milho cozinhando-os no vapor, rolando-os e assando-os, transformando-os em um alimento igualmente sem sabor.

Enquanto James se preocupava principalmente em prevenir doenças por meio da dieta, John continuou a cruzada de Sylvester contra a masturbação.

Ele a chamava de "autoabuso", implicou-a em todos os tipos de doenças e, da mesma forma, promoveu uma dieta sem graça para moderar os apetites sexuais hiperativos.

Mas os alimentos que esses homens popularizaram mudariam de forma, muito além de suas formas originais. A granula e flocos de milho passaram por uma série de reinvenções açucaradas e glaceadas.

E décadas após a morte de Sylvester, a Companhia Nacional de Biscoitos começou a produzir em massa bolachas Graham, com farinhas mais leves e adoçantes estimulantes.

Em 1927, as pessoas começaram a intercalar marshmallows torrados e chocolate entre os biscoitos Graham, que as escoteiras batizaram de "some more", e assim nasceu o s'more, um petisco tradicional para fogueiras noturnas popular nos Estados Unidos e no Canadá.

A sobremesa açucarada decadente é essencialmente a antítese da visão de Sylvester e talvez seja a maior ironia do seu legado.