
A areia é a principal matéria-prima da qual as cidades modernas são feitas. O concreto usado para construir shoppings, escritórios e prédios residenciais, assim como o asfalto que usamos para construir as estradas que os conectam, são basicamente areia e cascalho aglomerados.
O vidro de todas as janelas, pára-brisas e telas de smartphones é feito de areia derretida. E até mesmo os chips de silício dentro de nossos telefones e computadores, assim como praticamente todos os outros equipamentos eletrônicos em sua casa, levam areia em sua composição.
E qual é o problema nisso, você pode perguntar? Nosso planeta está coberto de areia. Enormes desertos, do Saara aos Lençóis Maranhenses, têm dunas ondulantes desse material. Praias em litorais ao redor do mundo são repletas de areia. Podemos até comprar sacos dela na loja de materiais de construção local por uma ninharia.
Mas acredite ou não, o mundo está enfrentando uma escassez de areia. Como é possível que estejamos com poucos recursos de uma substância encontrada em praticamente todos os países do planeta e que parece ser essencialmente ilimitada?
A areia, no entanto, é o recurso natural mais consumido no planeta, depois da água. As pessoas usam cerca de 50 bilhões de toneladas de "agregado" (areia e cascalho) todos os anos. Isso é mais do que suficiente para cobrir todo o estado de São Paulo.
O problema reside no tipo de areia que usamos. A areia do deserto e da praia é praticamente inútil para nós. A grande maioria da areia que coletamos é destinada à fabricação de concreto, e para esse fim, os grãos dessa areia têm o formato errado além do cloreto de sal.
Erodidos pelo vento em vez da água, a granulometria da areia do deserto é muito lisa e arredondada para se encaixar e formar um concreto estável. Já o sal da areia da praia acelera a corrosão do aço, comprometendo a durabilidade da estrutura. Esses problemas podem levar a fissuras, esfarelamento e enfraquecimento da edificação a longo prazo.
Embora o cenário de colapso em massa de edifícios devido ao uso da areia da praia não seja uma crise global iminente amplamente divulgada, o uso dessa areia não lavada e contaminada com sal na construção de concreto é um fator de risco conhecido e significativo para falhas estruturais a longo prazo.
Essa questão é particularmente relevante em áreas costeiras, especialmente em regiões em desenvolvimento, onde as práticas de construção nem sempre seguem padrões rigorosos.
Os cloretos são altamente corrosivos para as barras de aço (barras de reforço) dentro do concreto. À medida que o aço enferruja, os produtos da corrosão expandem-se, exercendo pressão sobre o concreto circundante, fazendo com que ele rache e se descasque.
Ao longo do tempo, este processo enfraquece a ligação entre o concreto e o aço, comprometendo toda a integridade estrutural do edifício, podendo levar à falha ou colapso anos ou décadas após a construção.
Ainda que alguns países permitam o uso de areia da praia "lavada" para fazer agregado estrutural. As normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como a NBR 6118, estabelecem critérios rigorosos para os agregados utilizados em estruturas de concreto, incluindo limites máximos para o teor de cloretos, que a areia de praia, mesmo a lavada, naturalmente excede.
A areia de que precisamos é aquela mais angulosa, encontrada nos leitos, margens e planícies aluviais dos rios, bem como em lagos.
A demanda por esse material é tão intensa que, em todo o mundo, leitos de rios estão sendo devastados, e terras agrícolas e florestas estão sendo destruídas para se obter os preciosos grãos. E em um número crescente de países, quadrilhas criminosas entraram no comércio, dando origem a um mercado negro de areia, muitas vezes letal.
Foi assim que extração ilegal de areia tornou-se um negócio global principalmente devido a uma demanda mundial insaciável por areia para construção, impulsionada pela rápida urbanização e desenvolvimento de infraestrutura, aliada à falta de regulamentação e fiscalização adequadas em muitos países.
O mercado de areia cria um ambiente de altos lucros e baixa supervisão que permite que redes criminosas organizadas, apelidadas de "máfias da areia", prosperem por meio da corrupção e da violência.
Como dizíamos, a areia é um ingrediente essencial no concreto e no asfalto, a base literal das cidades, estradas e pontes modernas.
A rápida urbanização em países como a China e a Índia criou uma necessidade crescente e gigantesca de areia, que as fontes legais têm dificuldade em suprir. Somente a China usou mais areia em um curto período do que os Estados Unidos usaram em todo o século XX.
A areia de rios com seus grãos angulares, é muito valorizada e cada vez mais escassa em áreas acessíveis. Essa escassez regional eleva os preços e incentiva a extração ilegal onde a areia está disponível.
Muitas regiões afetadas carecem de instituições estáveis e legislação clara para a gestão da extração de areia. Onde existem regulamentações, as "máfias da areia" frequentemente subornam autoridades locais e a polícia para ignorar as regras, operar fora das áreas licenciadas ou falsificar licenças.
A concessão de um porto de areia no Brasil é um processo complexo que envolve a obtenção de autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e o cumprimento de rigorosos requisitos legais e ambientais, principalmente o licenciamento ambiental, que ainda assim não está livre da corrupção.
A corrupção no setor de extração de areia no Brasil é uma realidade grave, frequentemente associada à extração ilegal do recurso, que movimenta bilhões de reais anualmente no mercado clandestino. Esse crime ambiental e econômico envolve redes que utilizam táticas de intimidação, suborno e violência.
A corrupção ocorre em diferentes níveis. Empresas e indivíduos já foram denunciados por fraudes e corrupção em contratos públicos que envolvem o uso de areia e cascalho, como na Operação Cascalho de Areia, em Campo Grande.
Servidores públicos e diretores de agências (como a Agência Nacional de Mineração - ANM) foram presos em operações que investigaram esquemas de propina para fraudar licenças de mineração.
Com efeito, diversas operações da Polícia Federal, Ministério Público e outros órgãos de controle são deflagradas para desarticular esses esquemas, focando tanto na extração ilegal quanto nos atos de corrupção e fraudes documentais.
O comércio ilegal de areia é um negócio altamente lucrativo, em alguns casos comparável ou superior à lucratividade de outros crimes ambientais.
O baixo risco de punição, devido à corrupção e à falta de fiscalização, torna-o uma atividade atraente para organizações criminosas.
As "máfias" mantêm o controle por meio da violência contra ativistas, jornalistas e até mesmo policiais que tentam interferir em suas operações. Esse clima de medo silencia ainda mais a oposição e permite que as atividades ilegais continuem sem controle.
Na Índia, a extração ilegal de areia é a maior atividade criminosa organizada do país. Em vilarejos do interior, máfias armadas da areia roubam terras para remover a camada superficial do solo e extrair as valiosas camadas de areia abaixo. Também não é incomum ver dragas clandestinas coletando areia ao longo da costa.
A areia roubada atinge um bom preço no mercado negro, onde é vendida para construtoras que erguem arranha-céus em megacidades como Mumbai. Pessoas que resistem à máfia são espancadas ou mortas, incluindo policiais.
Embora o problema seja particularmente grave na Índia e no Sudeste Asiático, o comércio se expandiu globalmente para regiões como a África e a América Latina devido à demanda universal por materiais de construção.
Entre 1990 e 2023, a mineração ilegal foi registrada em 35 países africanos. A mineração ilegal também foi registrada no Delta do Mekong, no Vietnã. No Marrocos, aproximadamente metade da areia utilizada anualmente na construção local é extraída ilegalmente.
O comércio é complexo, envolvendo tanto o uso doméstico quanto o contrabando internacional, com casos de países como Singapura importando grandes quantidades de areia que os países de origem não declaram exportar.
A dificuldade em rastrear a origem da areia depois que ela sai do ponto de extração torna esse crime um desafio para monitorar e controlar globalmente.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) relatou que - "...areia e cascalho representam o maior volume de matéria-prima utilizada na Terra depois da água."
O problema é que seu uso na atualidade excede em muito as taxas de renovação natural.
- "Oitenta por cento de tudo o que foi construído em nosso planeta é feito de concreto", diz o relatório da UNEP.
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